Escândalo de manipulação de informações, envolvendo Cláudio Costa na Petrobrás coloca privatizações sob suspeita

Por André Lobão

Crime do ex-gestor de RH coloca ainda mais sob suspeita todo processo de desmonte e privatização da Petrobrás e de outras estatais

A demissão do gerente executivo de RH da Petrobrás, Cláudio Costa, por envolvimento no uso de informações privilegiadas da Petrobrás para obter ganhos no mercado financeiro, e o possível envolvimento do presidente demissionário da empresa, Roberto Castello Branco no caso, levanta mais do que nunca suspeitas e coloca em xeque o processo de desmonte e privatização em andamento na Petrobrás, e porque não, todo o processo promovido pelo governo de Jair Bolsonaro a partir do Programa Nacional de Desestatização (PND), comandado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Somente na Petrobrás já foram privatizados , até fevereiro de 2020, R$ 50,4 bilhões em ativos da empresa (distribuição no Paraguai, refinaria de Pasadena, TAG, BR Distribuidora, Belém Bioenergia, Liquigás e PFISA) conforme dados da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados, do Ministério da Economia. Ainda , no relatório, os desinvestimentos na empresa chegaram a R$ 20,3 bilhões (POG B.V.; campos de Maromba, Enchova e Pampo, Baúna, Pargo, Carapeba e Vermelho, Tartaruga Verde, Ponta do Mel e Redonda; Bacia Potiguar; pólos de Macau e Lagoa Parda), valores considerados subdimensionados, pois os ativos estão sendo vendidos abaixo do preço, mesmo considerando avaliação de mercado . Cabe ressaltar que nesses dados não estão incluídos os valores que envolvem a Refinaria Landulpho Alves da Bahia (RLAM) que teve venda aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobrás (CA) por US$ 1,65 bilhão (cerca de R$ 9,5 bilhões, com a cotação cambial atualizada), valor questionado pelo TCU e que especialistas afirmam ser metade do avaliado pelo mercado, em favor do fundo Mubadala Capital.

O fato é que se executivos da alta cúpula da Petrobrás atuaram em claro conflito de interesses para obter ganhos no mercado financeiro com a troca do comando da empresa, qual é garantia de que também não atuaram da mesma forma no processo de venda e pulverização de ativos como ocorreu, por exemplo, em 2020, com a pulverização de 30% da BR Distribuidora, que resultou numa privatização branca, com a retirada da Petrobrás como sócia majoritária.

Em tempos de governança corporativa, o governo de Jair Bolsonaro mostra que não dá a mínima para possíveis conflitos de interesses como ocorre com o ministro da Economia Paulo Guedes. Em 2019, o Deputado Federal Paulo Ramos (PDT/RJ) entrou com representações no Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público Federal (MPF) e Controladoria Geral da União (CGU), denunciando Guedes por apresentar incompatibilidade com o cargo por ser sócio em empresas de gestão de fundos no mercado financeiro. Até o momento nenhum dos órgãos emitiram pareceres sobre a denúncia . Proteção?

A teia de Guedes

O levantamento preliminar feito em sistemas cadastrais dos órgãos competentes mostram que o Paulo Guedes integra, seja como administrador ou sócio, inclusive possivelmente oculto, uma vasta rede composta por bancos, fundos de investimentos e outras entidades atuantes nos mercados de financeiro, de investimentos e de capitais que possuem íntimas relações com entes estatais de mesmo gênero.

O documento aponta uma relação de 36 pessoas ligadas a Paulo Guedes que ocupam funções em órgãos subordinados ao Ministério da Economia ou integrando outros órgãos que são alvos de controle público ou já envolvidos em investigações ou processos judiciais.

Um exemplo claro dessas ligações é no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujo o presidente Gustavo Henrique Moreira Montezano é indicação direta de Paulo Guedes.

Aliás, Montezano fez carreira na área de crédito, ao trabalhar junto a grandes empresas pelo banco BTG Pactual, fundado pelo ministro da Economia em 1983, do qual foi sócio e diretor executivo em Londres. Graduado pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), é mestre em finanças pelo Ibmec-RJ, instituição onde seu pai, Roberto Montezano, é professor emérito e que tem Guedes como um de seus fundadores.

A representação do deputado detalha que “(…) Conforme se constata por meio de consulta pública aos contratos sociais das pessoas jurídicas em que seu nome se encontra dentre os cotistas, há sempre uma curiosa coincidência: além de muito dos demais cotistas disporem de apenas 1 (uma) cota, eles se revezam não apenas na mesma sociedade, como também em várias outras, coligadas ou não, formando uma espécie de teia societária que parece esvaziar o próprio sentido negocial daquelas personalidades jurídicas, senão para ocultar seu verdadeiro controlador (…)” – denuncia o documento.

Fundos de Pensão na dança

Cabe lembrar que Paulo Guedes foi alvo de investigação da Operação Greenfield por suspeita de fraudes contra fundos de pensão, como o Petros, da Petrobras; o Previ, do Banco do Brasil; e o Funcef, da Caixa Econômica Federal. Segundo as investigações , os fundos de pensão aportaram mais de R$1bilhão nos fundos de investimentos de ligados a Guedes – FIP BR Educacional, FIP Brasil de Governança Administrativa, FIP Caixa Modal Óleo e Gás.

Em dezembro de 2020, o procurador-geral da República, Augusto Aras, encerrou as atividades da força-tarefa da Operação Greenfield sem que mais da metade das metas estabelecidas tivessem sido cumpridas.

A investigação que envolve o ministro da Economia encontra-se parada no Ministério Público Federal.

Segundo consta nos autos do processo 000990094/2018 do MPF, os fundos geridos por Paulo Guedes e sua rede são investigados sob a suspeita de gestão fraudulenta ou temerária de instituições financeiras e de emissão e negociação de títulos mobiliários sem lastros ou garantias.

O MPF sustenta que projetos tocados por uma gestora de ativos do ministro entre 2009 e 2013 deram, em valores atualizados pela inflação, prejuízo de R$ 360 milhões aos investidores.

Os bons amigos

Com a revelação do escândalo financeiro envolvendo integrantes da direção demissionária da Petrobrás, Paulo Ramos considera que esse pode ser o fio da meada de um grande esquema suspeito operado por Paulo Guedes, haja vista que o ministro da Economia de Bolsonaro ser amigo pessoal e ter indicado Roberto Castello Branco para o cargo de executivo principal da empresa. Paulo Guedes nunca escondeu de ninguém sua intenção de privatização e desmonte total da Petrobrás.

“A partir desta demissão do Cláudio Costa, por uso de informação privilegiada, usando o informe da demissão do Castello Branco para ganhar dinheiro no mercado de opções, um anúncio feito há um mês da confirmação da sua continuidade ou não no comando da estatal pela assembleia de acionistas, vou requerer à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) um informe sobre as flutuações das ações da Petrobrás e da BR Distribuidora, desde que o Roberto Castello Branco assumiu a presidência da companhia. Precisamos saber quem ganhou e quem perdeu nesse cassino” – questiona.

Privatização da AMS

Outro ponto que lança suspeitas sobre a atuação de Cláudio da Costa na Petrobrás é que ele conduziu o processo de privatização da AMS (plano de saúde da Petrobrás), preparando o caminho para a entrega de sua gestão para o mercado. A preparação que se traduz com a criação da Associação Petrobrás de Saúde (APS), com a entrega de cargos diretivos para indicados, aplicação de aumento abusivo da participação no custeio para os participantes (ativos, aposentados e pensionistas), tornando , assim , inviável a continuidade das pessoas no plano por incapacidade financeira. Costa ainda promoveu reuniões com representantes de outros planos com divulgação de dados do plano de saúde. O que pode vir a ser caracterizado, se se constatar alguma vantagem pessoal ou para terceiros, como em total desacordo com o Código de Ética da Petrobrás, contrariando o item 4.5F que diz claramente:

“Não utilizar informações a que tenham acesso, em razão do exercício de suas atividades, para negociar valores mobiliários ou ainda para obter vantagens pessoais ou para terceiros, nem compartilhar informações dessa natureza com terceiros com tais propósitos” – especifica o código.

Diante das negociatas com ações a partir de informações privilegiadas, quem garante que Cláudio Costa e outros executivos da patota neoliberal na Petrobrás não estão tirando proveito da privatização da AMS em curso?

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