TCU considera de “baixa transparência” contratos feitos pela Petrobrás

Segundo levantamento, quatro anos depois da Lava Jato, contratações sem concorrência na Petrobrás representam 58%

Segundo uma reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 7 de junho, mesmo depois  Operação Lava Jato, a Petrobrás manteve práticas que fragilizam a transparência e a concorrência em seus contratos.

O exame das aquisições realizadas pela empresa de 2011 a maio de 2018 exibe “um quadro de esmagadora preferência por processos não concorrenciais ou mais vulneráveis a direcionamento”, conclui Claudio Weber Abramo, especialista, ouvido na matéria, em combate à corrupção que realizou estudo sobre as contas da empresa.

Mais do que manter contratos de aquisição de bens e serviços opacos, a empresa não avançou em sua política de compliance (conformidade), diz Abramo, cofundador da Dados.org, base de cruzamento e análise de dados públicos. A principal modalidade de contratação da Petrobrás é a carta-convite, considerada em relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) de “baixa transparência para o público e alta discricionariedade para o gestor na escolha das empresas convidadas”. Contrariando o tão propalado discurso de governança corporativa do ex-presidente da empresa Pedro Parente, tão decantado na grande mídia neoliberal.

Por esse modelo, a Petrobrás convida, a seu critério, pelo menos três empresas que desempenhem atividade compatível com o objeto da licitação, inscritas ou não no registro cadastral da estatal.

Deflagrada em março de 2014, a Lava Jato revelou que esse modelo de contratação favoreceu a corrupção entre agentes da companhia e fornecedores privados. Os convites continuaram a preponderar na companhia até o dia 15 de maio de 2018. A partir dessa data, a companhia disse ter extinguido a modalidade para atender aos requisitos da Lei das Estatais.

De janeiro a 9 de maio de 2018, segundo o levantamento, os convites representaram 58% das contratações da Petrobrás, no montante total de R$ 7,4 bilhões. Outros 40% dos bens e serviços foram adquiridos diretamente, sem processo licitatório. No ano em que a Lava Jato foi deflagrada, 2014, as contratações por convite atingiram seu ápice, chegando a 75% do total (R$ 55 bilhões). Uma análise apressada mostraria que, no ano seguinte, a política de aquisições da empresa começaria a mudar, já que os convites despencaram a 40% (R$ 32 bilhões).

Porém, em 2015, dispararam contratos diretos, feitos sem disputa concorrencial (60% do total), que, pela primeira e única vez no período analisado, superaram as aquisições feitas com competição (40%). As modalidades que não têm disputa na Petrobrás são inexigibilidade (subiram de 15% em 2014 para 53%, ou R$ 43 bilhões, em 2015), dispensa (7%, em 2015) e inaplicabilidade (0,01%).

Em 2016, as cartas-convite se avolumaram novamente, representando 55% das aquisições (R$ 41 bilhões). No mesmo ano, a curva elaborada por Abramo mostrou que as modalidades não concorrenciais permaneceram em patamares mais altos do que antes da Lava Jato. No total, dispensas de licitação (13%), inaplicabilidade (0,83%) e inexigibilidade (30%) responderam por 43% dos contratos de 2016.

“A estrutura que permitiu a corrupção revelada pela Lava Jato foi mantida”, constata Abramo.

Ainda segundo a Folha, o relatório do ministro Vital do Rêgo, aprovado pelo plenário do TCU, mostrou a mesma tendência. De 2011 a 2014, 45% dos contratos não foram precedidos de licitação. Do restante, 99% foi convite.

“Uma vez que, na prática, é da livre escolha dos gestores da estatal as empresas de que a companhia adquire bens e serviços, há risco de que o ordenamento jurídico-normativo de licitações seja transformado em aparato de natureza meramente ornamental, voltado para proporcionar apenas aparência de que a empresa cumpre com o princípio constitucional”, atentou Rêgo.

Procurado pela reportagem, o professor e advogado Bruno Navega, presidente da comissão de direito administrativo da OAB-RJ, é crítico dos procedimentos da Petrobrás. “A gente sempre identificou a opção por carta-convite em demasia, direcionada a pessoas escolhidas pela Petrobrás. A gente sabe muito bem quem eram as convidadas”, disse, em referência à Lava Jato.”Sempre causou estranheza o porquê de a Petrobras não adotar mais a concorrência”, disse sobre a modalidade de licitação mais competitiva entre as praticadas, aberta a qualquer interessado.

Segundo o estudo de Abramo, no período, a relevância da concorrência atingiu o ápice de 1,89% em 2012, o que corresponde a R$ 2,3 bilhões. Depois da Lava Jato, a concorrência representou menos de 1% todos os anos, salvo 2017, quando se resumiram a 1,4% (R$ 554 milhões). A concentração dos processos em relativamente poucas empresas, também diagnosticada pelo TCU, resulta da dificuldade imposta pela estatal para o cadastro de fornecedores, segundo Abramo.

“Uma das formas de impedir a participação de empresas, de forma a resguardar o interesse de um cartel, é bloquear o cadastramento. O bloqueio é, notoriamente, a regra do jogo da estatal”, diz.

Outro mecanismo anticoncorrencial é impedir que empresas recorram de resultados de licitações. Embora seja uma prerrogativa legal, os recursos apresentados à Petrobrás são muitas vezes negados, inclusive pela Justiça, afirma Abramo.

Brechas em novo regulamento

Até maio, as contratações da Petrobrás seguiam um regulamento criado especialmente para a empresa no governo Fernando Henrique Cardoso. O restante da administração pública é submetida à Lei de Licitações. Com isso, a estatal não possui mecanismos para barrar a arbitrariedade dos tomadores de decisões, afirma Abramo.

O novo regulamento trouxe avanços, mas há brechas. Estabelece que “a decisão que julgar o recurso será irrecorrível”. Mas a instância final julgadora também é composta por quadros da Petrobrás. “Será pequena a possibilidade de sucesso de recursos interpostos contra indícios de direcionamento”, afirma o especialista.

Para Bruno Navega, a comissão que julgará recursos será autônoma e técnica. O advogado questionou por que a estatal demorou a mudar o mecanismo.

Petrobrás diz que falhas são apuradas

À reportagem da Folha de São Paulo, a Petrobrás respondeu, por escrito, que “as falhas verificadas em algumas dezenas de contratos (Lava Jato), em um universo superior a 115 mil contratações anuais, ocorreram por meio da inobservância de padrões estritos de governança, sendo devidamente apuradas e punidas”.

A modalidade convite, agora extinta, disse a empresa, “não impedia a competitividade quando utilizada de modo correto, ou seja, sem restringir a participação de empresas habilitadas. Eram muito comuns certames com várias dezenas de convidados aptos”.

Segundo a estatal, alterações na estrutura de contratação em abril de 2016 levaram a “uma significativa mudança na transparência e na competitividade dos processos”.

“A competitividade nas contratações tem crescido mais de 10% por ano desde 2015.”

A Petrobrás disse que se antecipou ao limite de 30 de junho e passou a adotar os ditames da Lei das Estatais em 15 de maio. Agora, “todas as licitações são públicas, podendo qualquer empresa participar, desde que atenda aos requisitos estabelecidos no edital”.

Sobre o cadastro de fornecedores, visto como forma de restringir a competitividade, a Petrobras afirmou que a base de empresas cresceu 15% em 2017 e continua em expansão, com 8.000 cadastradas.

Sobre as dificuldades de um fornecedor questionar resultados de licitações, a Petrobras disse que “conta com excelente quadro técnico, plenamente capacitado”.

Fonte: Folha de São Paulo

Reportagem de Thais Bilenky

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