Faixa Livre – A Petrobrás está se tornando somente uma geradora de dividendos para os seus acionistas

“O interesse real da Petrobrás, e sua razão de existir, era de obter a autossuficiência em petróleo do país, e disponibilizar esse combustível ao menor custo possível para a população, e não é o que está sendo feito hoje” – diz o petroleiro aposentado Silvio Sinedino em entrevista

Silvio Sinedino, ex-conselheiro da Petros, ex-presidente da AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobrás -,  e militante da categoria petroleira participou de uma entrevista no Programa Faixa Livre – Bandeirantes AM 860, que foi ao ar no dia 30 de novembro de 2021. Sinedino, a partir de um artigo publicado no site da AEPET comentou sobre o processo de desmonte e privatização a qual está sendo submetida a Petrobrás. Confira como foi a conversa com o apresentador Anderson Gomes.

A importância da Petrobrás, e a parceria com as universidades

Faixa Livre – A venda da Petrobrás de forma fatiada, com o governo se desfazendo de várias refinarias, a criminosa política de Preço de Paridade de Importação (PPI), que eleva os preços dos combustíveis que só neste ano apresentou uma valorização de quase 70%, ameaça de privatização total da empresa, entre outros pontos. Você escreveu recentemente um artigo intitulado “Ser petroleiro” que trata sobre esses ataques à Petrobrás que foi publicado no site da AEPET, como foi essa análise?

Silvio Sinedino – Nesse artigo eu faço um breve histórico da criação da Petrobrás, relembrando desde antes de sua fundação que já tínhamos inimigos, e que esses nunca sossegaram, nunca se contentaram com o fato da Petrobrás ter sido criada, ser monopolista, e ter sido um sucesso que foi. Desde daquela época diziam que se não nos ligássemos às multinacionais não teríamos condições de explorar o petróleo, e que por sermos monopolistas não seríamos eficientes, e a pratica demonstrou o contrário, que nada disso era verdade.

A Petrobrás foi muito bem-sucedida, apoiou-se em um corpo técnico de muito boa qualidade, modéstia parte, todos selecionados por concurso público, assim como o nosso serviço público. Eu costumo dizer que o concurso público é uma eleição por competência, então temos os melhores quadros, pois o concurso da Petrobrás sempre foi muito disputado, com a Petrobrás tendo uma ligação intensa com as universidades, sendo esse o grande celeiro de mão de obra da empresa, absorvendo profissionais de nível superior, e as escolas técnicas fornecendo técnicos altamente qualificados também.

Ao mesmo tempo que a Petrobrás se valia desta mão de obra, ela sempre colaborou para o desenvolvimento dessas universidades e das escolas técnicas, não só com investimento direto, com projetos conjuntos, e muitos dos petroleiros são até hoje professores nestes centros de formação. Daí essa foi a base da construção da Petrobrás, uma empresa bem-sucedida.

Agora, o que acontece hoje? A Petrobrás, como eu já disse, vem sofrendo ataques permanentes durante a sua história. E agora com esse desgoverno, desse genocida, que irresponsavelmente cuida do país, como podemos observar no que foi feito durante a pandemia da COVID-19, com mais de 610 mil mortes, boa parte devida aos descuidados e a irresponsabilidade cometida por este presidente, resolve dizer que vai privatizar a Petrobrás, não assumindo sua responsabilidade de acionista majoritário, o governo, de dar as cartas, deixando isso a cargo dos minoritários, os estrangeiros, que hoje mandam de fato na Petrobrás. A companhia está sendo dirigida para os interesses desses acionistas, com a Petrobrás sendo transformada em uma geradora de dividendos como vem acontecendo no momento.

Bolsonaro se faz de inoperante

Faixa Livre – A questão é que o Bolsonaro quer se desfazer da Petrobrás por sua total incapacidade administrativa, e da pressão que ela acaba recebendo por conta da política de preços criminosa adotada pela empresa, a PPI (Preços de Paridade de Importação).

Silvio Sinedino – Como podemos exigir de um brasileiro que ganha um salário-mínimo de R$ 1.045 pagar por um botijão de gás de cozinha que custa mais de R$ 120, com um preço cotado tendo como referência o preço internacional do petróleo? Isso é um absurdo. A Petrobrás produz hoje, como cito no artigo, o barril a menos de US$ 11. Isso não é custo de extração não, é custo que engloba: extração, amortizações e pagamento de pessoal, entre outras coisas. Como pode ser possível essa população miserável, que vive no nosso país, pagar o combustível, tendo como referência, o valor de US$ 80, que é o valor internacional do barril de petróleo? Isso não fa sentido!

Já explicamos: a Petrobrás deve vender esse combustível aos brasileiros levando em consideração em seu preço: o custo, o lucro que permita o seu desenvolvimento e a sua perenidade. Ora, a Petrobrás não foi criada para gerar lucro e dividendos para acionistas. O interesse real da Petrobrás, e sua razão de existir, era de obter a autossuficiência em petróleo do país, e disponibilizar esse combustível ao menor custo possível para a população, e não é o que está sendo feito hoje.

Atualmente, a Petrobrás mantem suas refinarias abaixo da capacidade, operando com até 70%, e importando o combustível a preço internacional. É um tiro no pé ao quadrado. Ela não utiliza de sua capacidade total, como ainda abre espaço para as concorrentes internacionais. E essas concorrentes só conseguem disputar com os preços internacionais, porque elas não conseguem óleo a US$ 11 como faz a Petrobrás. Então a empresa não pode ser punida por ser eficiente, isso é um descalabro total, a Petrobrás já está sendo privatizada, fatiadamente, aos pouquinhos, sob as vistas do legislativo e do judiciário que permitiram que as subsidiárias fossem vendidas sem que haja necessidade de aprovação do parlamento. E o que essas gestões da Petrobrás fazem? Vendem com todas as informações acumuladas durante os anos de pesquisas a preço de banana, como aconteceu, por exemplo, com a malha de gás.

A nossa malha de gás foi vendida para um grupo canadense por um valor equivalente a três anos de aluguel. É como se você tivesse uma casa própria e a vendesse para um comprador, e que logo depois você mesmo que vendeu alugasse essa mesma casa. E em três anos de aluguel gasta todo dinheiro da venda com o aluguel, é isso que acontece com a Petrobrás que vende a sua malha de gás , mantendo um contrato de uso dessa mesma malha, em que ela paga pelo uso de três anos um valor de uso equivalente ao que ela recebeu pela venda. É um absurdo total, mas isso em algum momento vai ser apurado e os responsáveis terão que ser punidos.

Os inimigos da Petrobrás

Faixa Livre – Chama atenção no seu artigo, publicado recentemente na AEPET, quando você cita os “inimigos” da Petrobrás. Quem seriam os inimigos da Petrobrás?

Silvio Sinedino – Ora, são as multinacionais do petróleo que estão de olho no Pré-Sal, e já conseguiram abocanhar uma boa parte dele. Pré-Sal esse que foi descoberto após a quebra do monopólio em 1997, no governo de FHC. As multinacionais já estavam aqui e poderiam ter descoberto, mas não o fizeram. Quem fez isso foi a Petrobrás. Agora através destes leilões que vem sendo realizados, desde o governo Dilma, estão se apoderando deste nosso óleo. E esses são os grandes inimigos, ligados aos grandes grupos nacionais formados pela nossa elite que é perversa, que não tem a menor consideração com a população, e que só está preocupado em construir apartamentos Miami-EUA, estando aqui só para explorar o povo que vem sendo escorchado ultimamente.

Faixa Livre – Esse processo não vem de hoje…

Silvio Sinedino – Os inimigos da Petrobrás não hibernam, eles ficam quietinhos quando há uma fase complicada para eles, mas eles retornam. Na luta do “petróleo é nosso”, nos anos 1950, aconteceu isso, a nossa população fez uma grande mobilização e garantiu a criação da Petrobrás e a soberania energética do Brasil, mas atualmente o nosso povo está anestesiado e não se mexe. Cabe a nossa população se levantar e se insurgir contra essa situação. Não só diretamente em relação ao absurdo do preço dos combustíveis. Precisamos lembrar que o Brasil é um país movido a diesel , e a alta de seu preço se transfere para toda a cadeia de produção, alimentos e tudo o que for relacionado a ele. Pois tudo no Brasil, praticamente, é transportado em caminhões em nossas estradas. Então é uma política muito perversa, pois esses aumentos não ficam restritos a combustíveis como o diesel, acabam refletindo em toda cadeia de todos os produtos que são consumidos. Daí vem a inflação como estamos observando, como uma inflação acumulada que já ultrapassa os 10% nos últimos 12 meses, voltando assim aos velhos tempos daquela inflação absurda.

Mas a população precisa se insurgir contra isso, não pode aceitar de mão beijada, calada, sendo espoliada desta maneira. Há famílias inteiras vivendo nas ruas, disputando osso e pelanca, vivendo debaixo de marquises, pontes e viadutos. Aqui no Centro do Rio de Janeiro e em outros capitais está acontecendo isso. As pessoas não tem mais condições de pagar um aluguel nem nas favelas, são famílias, não são mais aquelas pessoas problemáticas que procuram isolamento, são famílias com mãe, pai e filhos (crianças) que dormem na rua e o governo pegando o dinheiro da Petrobrás, que podia ser usado na melhoria das condições de vida da população, sendo usado para pagar dividendos aos acionistas.

O papel da AEPET, e os 60 anos da entidade

Faixa Livre – No mês de novembro foram celebrados os 60 anos da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), entidade que você presidiu entre os anos de 2012 e 2014. Você pode destacar alguns feitos importantes ao longo dessas seis décadas da entidade, e qual o papel da associação diante desse processo de desmonte da Petrobrás promovido pelo governo Bolsonaro?

Silvio Sinedino – Um dos momentos que considero mais importante da história da AEPET é exatamente a defesa do monopólio da Petrobrás na Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Formou-se um grupo de engenheiros da Petrobrás que praticamente se mudou para Brasília e ficou lá fazendo um trabalho de formiguinha, pressionando os parlamentares, e conseguiu manter o monopólio do petróleo com mais de 90% dos votos dos parlamentares. O saudoso Barbosa Lima Sobrinho (Jornalista, ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa – ABI) estava lá carregando essa bandeira, e quando essa proposta foi votada e aprovada em plenária foi uma grande catarse, esse foi um grande momento.

A AEPET sempre manteve uma linha técnica, mas dando apoio às reivindicações sindicais em determinados períodos e situações, como acontece hoje na questão do debate que envolve a PPI, a AEPET tem produzido ótimos artigos, mostrando o absurdo da aplicação dessa política de Preço de Paridade de Importação que não traz nenhum benefício para os brasileiros, só beneficiando acionista. Inclusive do que foi apresentado no recente plano de negócios da Petrobrás, que anunciou a intenção de reservar e pagar um valor maior de dividendos aos acionistas do que ao próprio investimento nas operações, instalações e projetos da companhia. Veja o que estão fazendo: em vez de investir para crescer, a empresa vai pegar o dinheiro que tem em caixa, que não é pouco, para remunerar ainda mais os seus acionistas, isso é uma situação muito complicada.

Saída dos biocombustíveis

Outro absurdo, neste novo plano, e a saída da área dos biocombustíveis, da energia limpa, com a venda da PBIO – Petrobrás Biocombustível, por exemplo. A Petrobrás tinha parques solares, parques de energia eólica, e está se desfazendo disso tudo, se concentrando naquilo que no mundo inteiro é condenado que é a exploração de petróleo. A Petrobrás está deixando de ser o que sempre foi: uma empresa de energia, para se transformar apenas em uma empresa de petróleo, setor que a longo prazo, não agora, estará fadado ao fim. Nós não vamos viver de furar poços a vida inteira, pelo contrário, mundialmente, a tendência é a produção de combustível limpo, e a Petrobrás estava nessa onda, mas infelizmente está adotando uma política míope, se concentrando naquilo que não tem futuro a longo prazo, caminhando para sua autodestruição.

Importância do CENPES na transição para energia limpa

Faixa Livre – Esse debate sobre adoção de fontes renováveis de energia no mundo inteiro está colocado de maneira premente. A Petrobrás estatal poderia ajudar nessa transição energética?

Silvio Sinedino – Claro que sim! Em nosso Centro de Pesquisas (CENPES), onde se concentra o “cérebro” da Petrobrás, reunindo as melhores cabeças pensantes, existem pesquisas sobre isso. A Petrobrás tinha que usar esse know how de energia que tem para investir em energia limpa para garantir até, a continuidade da companhia, colaborando com a diminuição da poluição mundial diante dessa crise climática que se apresenta atualmente, que muita gente ainda faz questão de negar.. É claro que ainda hoje esse mercado de energia renovável ainda está crescendo , mas a tendência que ele cresça. É óbvio que a Petrobrás deveria se engajar nesse projeto, e não se encastelar como uma empresa somente dedicada aos combustíveis fósseis.

A farra dos generais e o preço do gás de cozinha

Faixa Livre – Tem aqui uma pergunta de um ouvinte. Esse preço do gás de cozinha, que custa mais de R$ 100 é para ser usado para completar o salário, de R$ 200 mil, do Presidente da Petrobrás, o general Silva e Luna?

Silvio Sinedino – Claro que isso tudo faz parte. Isso é um absurdo, esses militares saem da caserna para “engordarem” seus contracheques, o que o fazem com muita “categoria”, para não dizer ao contrário. O general de plantão na Petrobrás, o Silva e Luna está ganhando mais de R$ 260 mil por mês de salário, em um país onde o salário-mínimo é de R$ 1.045, assim vemos como a situação é absurda. É claro que para justificar esses salários têm que colocar o preço dos combustíveis nessa altura. Mas que fique claro para os ouvintes: a Petrobrás enquanto empresa estatal não precisa operar com os preços nestes níveis, a empresa tem condição, sim, de gerar combustível e colaborar para a baixa dos preços e da inflação.

Vivemos uma condição míope, pois o país tem uma fonte de energia barata, como, por exemplo, o Pré-Sal, sendo que isso poderia ser atrativo para as indústrias, pois a energia compõe o custo de uma indústria, então a medida que um país tem uma energia barata, e temos condições de ter, isso acaba sendo uma forma de atrair capital para as nossas indústrias, não sendo somente o capital internacional, mas também o capital nacional, investindo em indústrias. O que vemos hoje é um encarecimento artificial dos preços, colocando valores a níveis internacionais. Se tivéssemos com os salários em níveis internacionais poderíamos até discutir a situação, mas não é o caso.

PPI e os gringos

Faixa Livre – A alta dos combustíveis tem sido o grande motivo pela alta inflação, e a Petrobrás tem sido responsabilizada por isso. Tudo isso por culpa da PPI, se houvesse uma política honesta não estaríamos passando por isso, Silvio?

Silvio Silvio – Exatamente, o monopólio já foi quebrado há muito tempo. Eu nunca vi uma multinacional dessas, concorrente da Petrobrás investir aqui no Brasil em refinarias, nenhum bote construíram aqui, a Petrobrás construiu milhares de navios e plataformas. As multinacionais importam tudo porque interessa aos seus respectivos países, eles se defendem é nós aqui não. Precisamos aprender a nos defender. Quero lembrar, de novo, muitas populações no mundo já passaram por situações tão difíceis ou até mais que a nossa. Eles se revoltaram e deram a volta por cima, cada brasileiro precisa levantar a cabeça e dizer: “não vamos aceitar essa política, vamos mudar isso e fazer o nosso papel de colocar o país sob o interesse da população, e não a interesse dessa elite que só faz explorar o país”.

Faixa Livre – como você avalia essa atitude dos EUA, China e de outros países, em desafiarem a Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP) com objetivo de baixarem o preço do petróleo no mercado internacional?

Silvio Sinedino – Isso foi uma tentativa mal sucedida, ninguém tem produção, nem mesmo os EUA, e a China que é uma grande importadora, de se contraporem a OPEP. Eles vão abrir suas reservas? Essas reservas são estratégicas, se as usarem elas se esgotam, e obviamente, deixam de ser estratégicas. E fazendo isso não vão baixar o preço de mercado.

Eleições: em quem acreditar?

Faixa Livre – Uma alteração no quadro político do Brasil com a não eleição de Bolsonaro pode servir de esperança para uma futura guinada neste período de retrocessos que vivemos, inclusive na Petrobrás?

Silvio Sinedino – Esperança nós temos, mas é o que volto a dizer: é preciso que os candidatos sejam claros em relação a que pretendem com a Petrobrás. Não podemos eleger um candidato que tenha políticas ambíguas. Umas são até claras, o Dória, governador de São Paulo, disse que vai privatizar a Petrobrás, pelo menos deixa claro o que quer fazer de fato. Então é necessário que todos os candidatos se posicionem claramente sobre o que pretendem não só para a Petrobrás, mas para as questões que envolvem a população. E cabe a essa mesma população analisar esses discursos e ver o que é verdade, ou uma promessa que não vai ser cumprida, votando em quem achar melhor. Mas dentro do marco do sistema capitalista é complicada a situação da população, pois no modelo deste sistema o que prevalece é o lucro a qualquer custo, inclusive mesmo com a destruição do planeta.

 

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