Em entrevista para o podcast “Lado B do Rio” Natália Russo, diretora do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), falou sobre a importância da transição energética e o papel da Petrobrás nesse processo
No programa Lado B Notícias, em sua edição de número 100, produzido pela Central 3, Natalia Russo conversou com a jornalista Fernando Castro sobre matrizes energéticas no contexto atual da crise climática, e de como a Petrobrás pode atuar nesta transição e os caminhos possíveis. Confira a versão em texto da entrevista.
Um colapso próximo de acontecer
Lado B: Qual a importância do Brasil caminhar para uma transição e energética e qual o papel da Petrobrás neste processo?
Natália Russo: O relatório do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, uma organização científico-política criada em 1988 no âmbito das Nações Unidas pela iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e da Organização Meteorológica Mundial, é um estudo reconhecido em 35 países, com 270 autores, que enfatiza o pouco tempo para reverter a questão do colapso climático. Esse estudo diz que teríamos no máximo até 2025 para chegar um pico da emissão de gases de efeito estufa para depois começar a reverter até 2030, reduzindo em até 43%, pelo menos, as emissões. O perigo do colapso climático é muito real, temos observado o aumento de enchentes, de mortes, motivadas por uma série de eventos climáticos. Então, se chegar a um ponto de derretimento de geleiras históricas, que sempre foram “chãos de geleiras”, com são chamados, é uma situação irreversível. Então não vai ter mais como conseguir resolver o problema climático.
Dinheiro “bombeado” da Petrobrás para acionistas/especuladores poderia ser usado em pesquisa e desenvolvimento da transição energética
Existe uma discussão para salvar a vida das pessoas, pois 40% da população mundial vivem em áreas de risco, que seriam muito suscetíveis a eventos climáticos. Imagine qual não será a destruição da vida humana se isso não for revertido. É uma discussão a nível global de todos os setores para impedir esse colapso climático. E a indústria petrolífera tem sido chamada a contribuir para esse processo de transição energética. Várias empresas no mundo têm investido em combustíveis renováveis, óbvio, que, muito aquém do que defendemos, do que é essencial. E a Petrobrás, como uma empresa estatal brasileira, poderia teoricamente, até pela sua distribuição astronômica de lucros de mais de R$ 101 bilhões em pagamento de dividendos aos seus acionistas, em 201, deveria estar contribuindo mais com esse processo de transição energética. Ela pode fazer isso por causa de sua expertise, possuindo um pessoal altamente qualificado em seu Centro de Pesquisas, em parceria com o UFRJ, investindo mais em energia eólica, energia solar, entre outras fontes renováveis.
E mais do que isso, em alguns países, como, por exemplo, a Noruega, que algum tempo atrás era o “patinho feio” da Europa, descobriu petróleo nos anos 1970, criando uma estatal, hoje chamada de Equinor, antiga Statoil. Então, a partir daí, investiram pesado na prospecção de petróleo, mas criando um fundo soberano, o maior do mundo, estimado em US$ 1 trilhão, investindo em transição energética. Hoje, a Noruega já conta com uma grande frota de carros elétricos em suas cidades, sendo assim um bom exemplo do que pode ser feito com a renda petrolífera.
É óbvio que a transição energética ela não vem do nada, tendo um custo alto. Ela demanda investimento, então de onde vai sair este dinheiro? Em verdade, deveríamos é estar usando o dinheiro esses recursos do Pré-Sal, dessa grande descoberta, essa renda petrolífera para fazer a transição energética, com a criação de um fundo soberano para financiar esse processo.
Petrobrás e a “política do faz de conta”
Lado B: Quais foram as políticas implementadas pela Petrobrás no último período, há uma preocupação da Petrobrás com o tema?
Natália Russo: Na realidade houve uma piora grande na política da empresa em relação a esse tema. A partir do golpe de 2016, que acarretou uma mudança na política econômica do governo e na relação com a Petrobrás, a situação começou a ficar complicada com o início da política de desinvestimentos muito agressiva, e simplesmente hoje a Petrobrás já vendeu todo o seu parque eólico, em 2021, encerrando assim sua participação no segmento. A empresa está tentando vender a Petrobrás Biocombustíveis (PBIO), uma subsidiária que produz biocombustíveis derivados de mamona, dendê e de outras fontes vegetais, tendo essa produção relação com a agricultura familiar. A Petrobrás, inclusive, no passado estimulou o desenvolvimento agrícola nos locais onde foram instaladas plantas para a produção de biocombustíveis.
Apesar de a empresa afirmar que vai continuar a produzir biocombustível, entendemos que isso não passa de um engodo. Pois esses bioprodutos que ela disse que vai continuar produzindo, na verdade tem um conteúdo renovável, mas representam apenas de 5% a 7% na composição do que ela diz produzir de biodisel em suas refinarias. Isso, em realidade, não significa de fato investimento em transição energética. É óbvio que é melhor tem um conteúdo renovável do que não ter nenhum, mas isso não seria uma transição energética, pois continuaria usando a matéria-prima do carbono, que é o petróleo.
Outro elemento, que quero destacar, em relação à mudança na política da empresa, é que o foco da política ambiental foi direcionado para a descarbonização, que é uma diminuição nas emissões de carbono na indústria do petróleo e gás. Seriam investimentos dentro das refinarias e plataformas para redução de gases do efeito estufa, isso é muito bom e mostra uma melhora na eficiência que demonstra também a grandeza do que é a Petrobrás. Porque tem um investimento grande nos profissionais da empresa que são pessoas que possuem uma expertise diferenciada com uma capacidade de pesquisa sensacional. Não é à toa que a Petrobrás ganhou vários prêmios internacionais, e esses trabalhadores têm conseguido resultados muito interessantes. Por exemplo: 2021 e 2022 apresentam uma redução de 50% na intensidade de emissões de gases de efeito estufa, a partir dessas políticas de descarbonização. O problema é que a Petrobrás não vai, além disso, e para por aí. Então ela investe na descarbonização, mas não dá bola para os renováveis, não configurando, assim, uma política de transição energética, mas sim em uma política de aumento da eficiência da indústria do petróleo, que é muito importante , que devemos reivindicar, mas que não pode ser apenas isso.
A situação dos trabalhadores no processo de transição
Lado B: O que os trabalhadores da Petrobrás pensam sobre essa situação e o que pode ser feito para mudar essa realidade?
Natalia Russo: No mundo inteiro temos visto uma preocupação, inclusive, com greves contra o colapso ambiental, com a criação de empregos acompanhando a transição energética. Pois ocorre a preocupação com a diminuição dos postos de trabalho. O que queremos não é simplesmente que tudo acabe de uma hora para outra, e que todas as pessoas percam seus empregos, mas queremos um processo de transição energética acompanhada de uma transição, também, de empregos. Para a Petrobrás seria fundamental a formatação dessa transição com os trabalhadores. É importante também que um governo que possa vir a ter uma política ambiental progressista, ou uma política que não possa ser tão devastadora como essa atual do Bolsonaro, sendo uma política que envolva essa transição energética. Isso será fundamental, com o pensamento de uma Petrobrás como uma empresa de energia.
E aí a junção com a Eletrobrás, que é uma grande empresa que precisa ser manter estatal. Então, é necessário unificar essas duas empresas (Petrobrás e Eletrobrás) em termos da criação de uma política energética soberana para o Brasil, no rumo à transição energética.
Lado B: Ou seja, que o trabalhador que fique no centro dessa discussão. Temos esse cenário de privatização na Petrobrás, em que o trabalhador já sofre. Então ao pensar em fazer essa transição, também é necessário se pensar no trabalhador?
Natália Russo: Sim, com certeza. É muito importante que o movimento sindical (trabalhadores) assuma essa pauta. As empresas, no geral, têm o objetivo do lucro. Então, os trabalhadores unificados com estudantes e ambientalistas para que haja essa mudança no Brasil e no mundo, ou vamos caminhar para o colapso global. É realmente muito preocupante a situação e acho que temos esse papel de buscar e disseminar a informação. Um exemplo disso é o trabalho do Lado B que tem feito um trabalho importante neste tema, e ajudar as pessoas a enxergarem o que está acontecendo.
Você pode conferir a íntegra da entrevista em áudio em
https://www.central3.com.br/lado-b-noticias100-transicao-energetica/