A concentração do mercado do café solúvel preconizou a política de preços de combustíveis adotada no Brasil

Por André Lobão

Eduardo Galeano em “As Veias Abertas da América Latina” contou como o capitalismo internacional se apropriou da parte mais lucrativa da cadeia produtiva do café

Mesmo após 50 anos de sua publicação a obra do jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Galeano, ainda se mostra, mais uma vez, como referência e muito atual para compreensão de como o modelo colonial ainda é operante em países da América Latina como o Brasil, em pleno século XXI.

A analogia com o modelo praticado pelo mercado do café, que é muito similar ao que foi implantado como política de preços de combustíveis e gás de cozinha em 2016 no Brasil, se justifica plenamente, pois nos dois casos, o país perdeu competitividade em favor da concorrência. Da mesma forma é pertinente a comparação com a estratégia atual da direção da Petrobrás de exportar óleo cru, vendendo ativos que agregam mais valor a este mesmo óleo e ao gás natural. Um retorno fora de moda aos tempos do Brasil colônia.

Galeano narra que em 1967 eclodiu a chamada a “guerra do café solúvel”, mostrando a contradição dos países ricos que se colocaram como detentores do direito explorar em seu benefício “as vantagens naturais comparativas”, que, na teoria, determinam a divisão internacional do trabalho. É a tão falada “mão invisível do mercado” apresentando-se mais uma vez como pura alegoria.

“O mercado mundial de café solúvel, de assombrosa expansão, está nas mãos da Nestlê e da General Foods; estima-se que em não muito tempo estas empresas vão abastecer mais da metade do café que se consome no mundo. Os Estados Unidos e a Europa compram café em grão do Brasil e da África; concentram-no em suas indústrias e vendem para o todo mundo, transformando-o em café solúvel. O Brasil, que é, o maior produtor mundial do café, não tem o direito de competir, exportando seu próprio café solúvel, para aproveitar seus custos mais baixos e dar destino aos excedentes da produção que antes destruía e agora armazena nos depósitos do Estado. O Brasil só tem direito de proporcionar matéria-prima para enriquecer as fábricas do estrangeiro” – narra Galeano. Qualquer semelhança com a política de preços de combustíveis e gás de cozinha baseada no PPI (Preço Paridade de Importação) é mera coincidência.

O desmanche e entrega da cadeia produtiva

Adicionalmente, hoje novamente a Petrobrás em seu Plano de Negócios – 2021/2025 – informa que vai privilegiar a produção de óleo e gás natural, em detrimento de refino e a distribuição de derivados, focando suas operações somente na produção da commoditie petróleo.

Ao privatizar a BR Distribuidora e colocar à venda 8 de suas 13 refinarias, a direção da empresa abre mão, em nome de um projeto ideológico e de interesses internacionais, do domínio de toda a cadeia produtiva e de sua capacidade de gerar recursos excedentes para se autofinanciar em pesquisa tecnológica e, sobretudo, garantir soberania energética e preços mais baratos para os combustíveis no atendimento à população e aos setores produtivos do Brasil. Da mesma forma, setores de ponta como biocombustíveis, petroquímica e fertilizantes estão sendo abandonados na contramão dos movimentos do setor.

Sob as gestões neoliberais, a Petrobrás se viu obrigada a tornar ociosa a operação de suas refinarias (-30%) e entregar dutos e distribuição para satisfazer os interesse de suas concorrentes, fazendo com que seja necessário importar derivados importantes como diesel e gasolina. Isto faz encarecer sucessivamente seus preços, atrelados ao mercado internacional via política de PPI, que somada a desvalorização do real, afeta ainda mais o preço final desses derivados, que poderiam ser produzidos aqui no Brasil.

O mote usado até pelo próprio presidente da empresa, o demissionário Roberto Castello Branco, é o velho discurso da concentração de mercado, que em realidade só faz mudar o protagonismo do processo de mãos, que no caso, são as petrolíferas estrangeiras.

Simetrias de mercados

A comparação entre os preços do café solúvel, que também sofre influência do mercado internacional de commodities, centralizado na Bolsa de Londres, com os combustíveis derivados de petróleo, mostra essa simetria de mercado. Segundo informe da Embrapa, em 2020, o Brasil gerou 35% da produção mundial de café , com 61,62 milhões de sacas, sendo vendido em média nos supermercados um quilo de café solúvel a R$ 12. Já a gasolina, com participação ativa da Petrobrás (quase três milhões bbl/d na produção de óleo), apresenta um preço médio de quase R$ 6 nos postos, com o litro do diesel na bomba em média custando R$ 3,81, segundo dados da ANP, e um botijão de gás de cozinha, vendido a R$ 105 nos depósitos das grandes cidades brasileiras. Sabemos que os impostos também compõem este preço, mas sem dúvida a política atrelada à PPI encarece os produtos sobremaneira, unicamente para possibilitar o ingresso dos produtos importados. Exatamente igual à história narrada por Galeano sobre o café solúvel.

O autor analisa ainda de forma clara: “Essa eficiência na coordenação das operações em escala mundial, completamente à margem do “livre jogo das forças do mercado”, não se traduz , claro está, em preços mais baixos para os consumidores nacionais, mas em lucros maiores para os acionistas estrangeiros”.
E continuará sendo assim enquanto não nos rebelarmos. Reage brasileir@!

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