A recolonização do Brasil: o exemplo Petrobrás

O pesquisador do Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), Nazareno Godeiro, um dos palestrantes do XIII Congresso da FNP, realizado entre os dias 28/04 e 1º/05 apresentou um painel sobre a importância da presença da Petrobrás no Nordeste e qual o cenário da empresa diante do período eleitoral neste ano de 2022

O Sindipetro-RJ conversou com o economista durante o Congresso que foi realizado em Santos-SP. Godeiro faz pontuações importantes sobre como as riquezas e recursos da Petrobrás e do Brasil estão sendo vilipendiados pelo sistema financeiro internacional e nacional, denunciando que a nova fronteira petrolífera do Pré-Sal no Nordeste está sendo entregue de bandeja.

Petrobrás abandona o Nordeste, mas deixa um rastro de riqueza para os abutres

Sindipetro-RJ: como você avalia a saída da Petrobrás do Nordeste?

Nazareno: A saída da Petrobrás do Nordeste é o abandono do Brasil. A Petrobrás nasceu no Nordeste e agora está vendendo todos os seus campos terrestres e seus campos marítimos de águas rasas, fechando todas suas sedes na região e transferindo todo o seu pessoal para o Sudeste do país. Então, hoje, 83% da mão de obra própria da Petrobrás está na Região Sudeste do Brasil. O que é surpreendente é que está abandonando o Nordeste não por conta de prejuízo. Tanto não é, por isso, que, por exemplo, uma empresa, a 3R Petroleum, que comprou a maioria desses campos, está tendo lucros altos após a efetivação dessas compras. O próprio dono da empresa faz questão de dizer que seu lucro está “bombando” por causa da aquisição desses campos no Nordeste. Daí você verifica que esse lucro deveria ser de fato da Petrobrás.

Além disso, a Petrobrás abandona a região em um momento em que está se descobrindo um novo Pré-Sal nas águas profundas dos estados de Sergipe e Alagoas, e também um novo Pré-Sal na parte equatorial do Brasil que compreende os estados do Amapá e do Rio Grande do Norte. É um novo Pré-Sal que surge no Brasil. Então, a Petrobrás abandona a região quando se descobre novos campos de produção de petróleo, o que fará do Brasil o segundo ou terceiro maior produtor do mundo, transformando o país em uma potência petrolífera nos próximos anos, como Arábia Saudita e Venezuela, por exemplo.

O que está acontecendo é uma barbaridade, assim podemos resumir. A direção da Petrobrás, bolsonarista e ligada ao capital internacional, se concentra no Sudeste com um argumento de que foca na extração do óleo do Pré-Sal, que é de ótima qualidade, para exportação, pois isso gera muito lucro para os donos da empresa, mas não para o Brasil e os brasileiros. O problema é que o Brasil deveria extrair esse óleo e refinar aqui, para só depois vender para o exterior, dando a possibilidade de desenvolver ainda mais a Petrobrás e a indústria brasileira, mas fazem exatamente o oposto. Porque o objetivo não é mais desenvolver a indústria brasileira, eles querem dar prioridade ao agronegócio para exportação, energia (petróleo) e minério, também para exportação, com Petrobrás e Vale sendo dominadas por multinacionais. Com isso, perdemos a soberania nacional, já que perdemos o controle sobre os preços dos alimentos, não dominamos mais o preço do combustível, enfim está tudo dolarizado.

A Petrobrás e Vale estão sob o domínio do capital internacional e não estão ligando para o país, não vão mais investir aqui, e por isso estão fechando a Petrobrás em todo o Nordeste, retirando a empresa de vários segmentos como eólica, biocombustível e distribuição de combustíveis. Então essa é a situação.

Recuperar a Petrobrás e a soberania do Brasil

Sindipetro-RJ: E como fica a Petrobrás neste contexto de eleições em 2022 no Brasil?

Nazareno: A primeira coisa que precisamos ter clara é que ganhe quem ganhar, a Petrobrás é decisiva para o futuro do Brasil e da nossa soberania. A Petrobrás é a principal indutora do desenvolvimento industrial do Brasil, ela ao estar sendo quebrada e privatizada, quebra o desenvolvimento industrial. A Petrobrás e o setor de petróleo no país eram responsáveis por 13% (Produto Interno Bruto – PIB) de toda a riqueza produzida aqui, em cada ano. Ao privatizar a Petrobrás, perdemos o controle sobre os preços, da soberania energética e da soberania alimentar. Precisamos entender que o Brasil está sendo recolonizado, voltando a ter um domínio colonial onde tudo que era produzido aqui era voltado para ser exportado. Pouco interessa o mercado interno, daí o objetivo é ganhar dinheiro. Essas empresas ganham dinheiro extraindo nossas riquezas e as levando para o estrangeiro.

Então, a Petrobrás está sendo destruída para ser apenas uma exportadora de óleo cru, como acontece com a Vale,  que exporta o minério daqui, e o agronegócio que exporta soja, carne, entre outros alimentos.  Ou seja, um país que é um dos maiores produtores mundiais de minério, petróleo e alimentos está sem condições de controlar os preços desses produtos e voltando a uma economia colonial.

Por isso, o tema das eleições é muito importante neste ano. A Petrobrás está no centro da vida política brasileira, pois nenhum presidente que se eleja poderá conviver com o preço da gasolina a R$ 8, ou chegando a R$ 10. O que se discute é a reindustrialização do país, como nós retornamos a uma economia industrializada, e como recuperamos a soberania nacional.

Um chamado à FNP

Diante disso, o papel da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), dos dirigentes sindicais petroleiros é muito importante, neste momento, na sociedade para explicar o que está acontecendo com a Petrobrás e com o preço dos combustíveis. A população, em sua grande maioria, não sabe o que está acontecendo. O valor de um litro de gasolina deveria ser de no máximo R$ 3, e por que não é vendido a esse preço? Porque o custo de um litro de gasolina para a Petrobrás é de R$ 0,90, só que a Petrobrás vende esse mesmo produto a R$ 3,50 em suas refinarias. Então você verifica, que, em realidade, a margem de lucro da Petrobrás e de mais de 350%. Para o diesel essa margem é de 401%. Agora veja, por que uma empresa como a Petrobrás está tendo uma margem de lucro de 350% a 401% em um litro de combustível?

A única explicação é que a Petrobrás não está servindo mais ao povo brasileiro e nem ao Brasil. Ela serve apenas aos donos da Petrobrás que são os seus grandes acionistas que são os bancos internacionais, esse é o problema. Se aplicassem uma margem de lucro 30%, considerada boa para qualquer empresa no Brasil e no resto do mundo, o preço desse combustível seria obviamente bem menor do que é hoje. Mas tem outro problema, hoje os distribuidores e os revendedores (postos de gasolina) é todo privado, na mão de multinacionais. E mesmo que a Petrobrás resolvesse vender a um preço correto e real, os distribuidores e revendedores de postos não aceitariam. Tanto que agora baixou o preço internacional do petróleo, mas isso não refletiu nos preços dos combustíveis aqui.

Coloquei como exemplo para dizer o seguinte: o tema dos preços dos combustíveis estará em pauta no debate político do Brasil. E quem ganhar terá que tratar deste tema. Então, os petroleiros devem exigir um programa para todos os candidatos do que seria o correto para recuperar a Petrobrás 100% estatal, indicado quais seriam os pontos principais. Eu elaborei uma proposta de 10 pontos para contribuir nesta questão que são os seguintes:

10 passos para uma “Petrobrás para os brasileiros”

  1. Petrobrás para os Brasileiros: retornar a uma Petrobrás 100% estatal. Recomprar todas as ações, especialmente as ações negociadas na Bolsa de Nova York, e fechar o capital. (O Governo FHC vendeu cerca de 30% das ações da Petrobrás na Bolsa de Nova York, arrecadando US$ 5 bilhões de dólares com a operação. Fazer um levantamento do valor de dividendos recebido por estes investidores desde 2000, quando as ações da Petrobrás passaram a ser negociadas na Bolsa de Nova York (NYSE) para estabelecer as condições de compra destas ações. Fazer o mesmo levantamento para investidores nacionais e internacionais na Bolsa de Valores do Brasil, hoje B3).

1a. A reestatização da Petrobrás é também, simultaneamente, uma renacionalização. Retornar a uma empresa totalmente estatal, a exemplo da maior empresa petrolífera do mundo, a Saudi Aramco, da Arábia Saudita.

  1. Fim da privatização e “desinvestimentos”. Recuperação da estratégia da Petrobrás como empresa integrada de energia, do poço ao posto. Anulação de todas as privatizações, começando pela BR Distribuidora, refinarias e subsidiárias, de leilões e concessões, petroquímica, iniciando uma transição para o regime de monopólio estatal da extração e produção de petróleo, do refino, petroquímica e comercialização de combustíveis.
  2. Criar um imposto de exportação de óleo cru para gerar investimentos que melhorem as condições de vida e trabalho da população trabalhadora brasileira (saúde, educação, transporte, cultura), que dê ampla proteção ambiental e a recuperação da indústria brasileira, priorizando o conteúdo nacional, e que permita a criação de empresas estatais de serviços e tecnologias petrolíferas e petroquímicas (sondas, exploração, engenharia e construção, logística, estaleiros etc.).
  3. Fim da indicação político-partidária para a direção da empresa e pela democratização da gestão da Petrobrás: controle da empresa pelos trabalhadores petroleiros e pelo povo brasileiro via eleição direta para o Conselho de Representantes da Petrobrás, a exemplo do que ocorre nas universidades com a eleição dos reitores pela comunidade universitária. Controle social rigoroso para evitar corrupção, nepotismo e apadrinhamento.
  4. Fim da PPI (preço de paridade de importação) e diminuição geral dos preços dos combustíveis e gás de cozinha. O preço deve ter como referência os custos internos de produção e refino, que são um dos mais baixos do mundo. Diminuir a margem de lucro da Petrobrás (que está em 328% no litro de gasolina e 401% no litro do diesel) e dos distribuidores privados, garantindo preços dos combustíveis próximos ao da Arábia Saudita, que vende o litro da gasolina pela metade do preço e o diesel cinco vezes mais barato que no Brasil. Criar uma Comissão Nacional de Precificação dos Combustíveis e Gás de Cozinha composta por entidades nacionais dos caminhoneiros, federações nacionais dos petroleiros, AEPET, IBGE, ABI, OAB, DIEESE, etc.), com pleno poder deliberativo e cuja decisão será acatada pelo Congresso Nacional, que tornará tal decisão em Lei.
  5. Pela recuperação da capacidade de produção das refinarias da Petrobrás. Retomar a construção de refinarias como a de Abreu e Lima, em Pernambuco, COMPERJ/GASLUB, no RJ, Duas refinarias Premium do Maranhão e do Ceará, para garantir a autossuficiência nacional. Recuperação do parque petroquímico estatal. Seguir exemplo da Arábia Saudita, que está construindo novas refinarias. Diminuir a exportação de óleo cru ao mínimo necessário, refinando aqui, para exportar com valor agregado.
  6. Retomar o papel da Petrobrás em todos os Estados que encerrou atividades, especialmente no Nordeste, região de nascimento da Petrobrás. Região esta que é a nova fronteira do pré-sal com grandes descobertas em águas profundas de Sergipe e Alagoas e na margem equatorial do Brasil, no litoral que vai do Amapá até o Rio Grande do Norte.
  7. Recuperar todas as fábricas de fertilizantes alugadas ou vendidas. Retomar os investimentos na fabricação de fertilizantes para garantir a soberania alimentar do povo brasileiro.
  8. Pela retomada de concursos públicos, contra o desmonte do corpo de empregados da Petrobrás. Valorização da mão-obra, recuperação salarial e assistência médica de qualidade, gerida 100% pela Petrobrás. Pelo fim da terceirização da mão-de-obra e incorporação de todos os contratados pela Petrobrás.
  9. Retomar os investimentos em energias alternativas, renováveis: biocombustíveis, eólica, solar, usando o gás natural abundante no Brasil como fator de transição da matriz fóssil para uma matriz energética renovável. Reservar um percentual do lucro da empresa para a transição energética, colocando o Brasil em primeiro lugar do mundo, com uma matriz renovável, que preserve e proteja o máximo possível o planeta.

 

Compromisso com o Brasil e a defesa da Petrobrás

Ao final da entrevista Nazareno Godeiro afirmou que os petroleiros devem cobrar um posicionamento dos candidatos que tenham compromisso com o Brasil e com a Petrobrás.

“No dia 1º de janeiro de 2023 teremos um novo governo, a peleja será grande para recuperar a Petrobrás 100% estatal, sob o controle dos trabalhadores e que sirva ao desenvolvimento do povo brasileiro. Esse compromisso deve ser exigido dos candidatos à Presidência da República, não devendo os petroleiros aderir acriticamente a candidatos que não tenham compromisso com isso. O fato é que desde 1985, ano que marca o final da ditadura, com os sucessivos governos eleitos de forma direta pelo voto, os ricos ficam cada vez mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres. E a Petrobrás mostra bem como isso está acontecendo com sua política de preços, desinvestimentos e privatização” – conclui o economista e pesquisador potiguar.

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