O 5 de outubro marcou o Dia Nacional de Luta contra a Exposição ao Benzeno, mas retrocesso imposto pelo atual governo federal esvazia o debate sobre os efeitos do agente cancerígeno à saúde dos trabalhadores
Bolsonaro comissão tripartite que debatia danos do benzeno
O governo Bolsonaro através de um decreto assinado em agosto de 2019 encerrou as comissões tripartites que faziam parte do Ministério do Trabalho e Previdência. Essas comissões formadas por membros do governo, empresários e trabalhadores tinham o objetivo de planejar, coordenar e avaliar políticas públicas relativas à saúde e à segurança no ambiente laboral. Assim, esse desmonte acabou atingindo a Comissão Nacional Permanente do Benzeno (CNPBz), criada em 1996 para regulamentar e fiscalizar o uso do benzeno, um composto orgânico classificado como um hidrocarboneto aromático, reconhecidamente cancerígeno, componente do petróleo, gasolina, gás natural e em alguns solventes derivados de petróleo..
Ainda, antes da decisão, em julho de 2019, o governo federal recriou a Comissão Tripartite Paritária Permanente, que em tese substituiria todas as demais. Entretanto, na portaria que define o funcionamento da CTPP, não há nenhuma menção específica ao benzeno. Ou seja, criou um fórum em que se discute muitos assuntos referentes à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, mas não debate os efeitos do benzeno na vida dessas mesmas pessoas.
A importância da CNPBz para os trabalhadores
A Comissão foi formada há 26 anos após a assinatura do Acordo Nacional do Benzeno em dezembro de 1995,e tornou-se referência em pesquisas e discussões para o estabelecimento de regras de segurança. Ao tratar do tema e da luta contra a Exposição ao Benzeno, é importante frisarmos a importância da CNPBz na história de combate aos efeitos da substância entre os trabalhadores.
Segundo a pesquisadora da Fundacentro – Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho é um órgão do governo federal do Brasil, vinculado ao Ministério da Economia, Arline Arcuri, doutora em Ciências, área de concentração: Físico-Química.
“Com a destruição das comissões que acompanhavam a implantação e obediência ao acordo e a Legislação sobre o benzeno, atualmente não se tem ideia de como está sendo realizado, se é que está, o controle da exposição dos trabalhadores a este agente. Nem tampouco se está havendo uma vigilância de suas saúdes. Fiz referência a comissões pois havia não apenas a comissão nacional Permanente do benzeno (CNPBz), também comissões estaduais em estados onde há empresas que produzem ou manipulam benzeno. No estado de São Paulo havia inclusive quatro comissões regionais pelo fato do estado possuir quatro refinarias de petróleo em regiões distantes uma das outras. Na verdade, o extermínio foi de todas as comissões com participação social, nos mais diversos assuntos. Só ficaram as que eram estabelecidas por obrigatoriedade legal. Mesmo estas foram muito enfraquecidas” – explica a pesquisadora.
No Brasil, em 20 anos, ocorreram mais de 120 mil mortes relacionadas ao benzeno
Ao longo das décadas, o benzeno tem se mostrado uma substância chave nos mais diversos processos, em específico, as várias áreas que envolvam de alguma forma subprodutos do petróleo. Porém, o benzeno é altamente prejudicial à saúde, mesmo em quantidades e períodos mínimos de exposição. Quando alguém se expõe ao benzeno, os malefícios tendem a ser barrados pelo sistema imunológico. Quando isto não acontece, pode ocorrer desenvolvimento de algum tipo de câncer.
Segundo dados publicados em uma reportagem da Revista Piauí (https://piaui.folha.uol.com.br/os-perigos-do-benzeno/) , entre 2000 e 2020, o Brasil registrou 127 mil mortes por câncer de bexiga e leucemia mieloide. As doenças podem estar relacionadas à exposição frequente ao produto. Em 2020, houve no país 2,95 casos desses tipos de câncer para cada 100 mil habitantes – a média mundial é de 2,66 por 100 mil habitantes. Um dos primeiros sinais de contaminação é a queda nos níveis de leucócitos (ou glóbulos brancos), células que atuam na defesa do organismo.
A realidade na Petrobrás
Os sindicatos filiados à FNP, dentre eles o Sindipetro-RJ, têm cobrado que a Petrobrás cumpra o Acordo Nacional do Benzeno, da qual a empresa foi uma das signatárias, mas as direções da companhia durante todos esses anos nunca deram a devida importância à exposição ao agente cancerígeno, a que seus empregados são submetidos.
Em relação à Petrobrás, Arline Arcuri comenta que a pandemia, de certa forma, pode ter contribuído para dificultar a realização de encontros que ocorriam para tratamento do benzeno, após o encerramento das comissões por decreto de Bolsonaro.
“Com o fim das comissões nas quais eu fazia parte, parei de visitar empresas da Petrobrás. Também não tenho participado de eventos com petroleiros que poderiam me manter atualizada sobre isto. A pandemia ajudou a dificultar a realização de encontros onde fosse possível discutir o assunto. Avalio, porém, que neste desgoverno destruidor dos direitos trabalhistas, na Petrobrás o tratamento deve ter sido bem precarizado. Difícil até de acreditar que ainda haja alguma preocupação com a exposição a este agente, já que mesmo durante a existência das comissões, havia um embate para que a exposição fosse reconhecida pela empresa em alguns locais de trabalho” – critica Arcuri.
Diante da situação, a empresa deixa de aplicar o Programa de Prevenção da Exposição Ocupacional ao Benzeno (PPEOB), ao não aplicar três ações fundamentais para as unidades que trabalham com o benzeno. Dentre elas, medidas de segurança nas instalações, como alterações tecnológicas e maior controle de emissões do benzeno; implementação do Grupo de Trabalhadores do Benzeno (GTB), que amplia o debate, propõe ações e leva informações sobre o benzenismo para os demais trabalhadores; e implantação do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), que estabelece um maior controle e acompanhamento à saúde do trabalhador exposto a agentes cancerígenos.
O petroleiro Marcelo Juvenal, diretor da FNP, também pesquisador dos efeitos nocivos do benzeno, diz que apesar do fim da Comissão Nacional Permanente de Benzeno, a legislação que trata do benzeno atual segue valendo e considera fundamental o papel das CIPAs (Comissão Interna de Investigação de Prevenção de Acidentes), na fiscalização e denúncias.
“Por mais que o governo Bolsonaro tenha dado fim às comissões nacionais tripartites, inclusive a CNPBz, o Acordo Nacional do Benzeno, bem como o Anexo 13A da NR 15, continuam valendo. Sendo assim, todos os ”getebistas” precisam continuar atuando conforme a legislação brasileira prevê. A CNPBz acabou, mas a legislação deve continuar a ser cumprida. Se houver necessidade de uma denúncia ser levada ao Sindicato, o mesmo deve denunciar e cobrar. Daí a importância das CIPAS neste momento que não temos as comissões nacionais e estaduais, como ferramenta de fiscalização e denúncia, as CIPAS garantem aos sindicatos a garantia de cumprimento da legislação e possíveis denúncias ao Ministério Público do Trabalho (MPT)” – ressalta Juvenal que também é diretor do Sindipetro-LP.
Como foi criado o Dia Nacional de Luta Contra a Exposição Benzeno
Em 2004, com apenas 36 anos, o petroleiro Roberto Viegas Krappa morreu de leucemia mieloide aguda. Krappa trabalhava como técnico de operações na RPBC, em Cubatão. Sua morte ocorreu 22 dias depois de manifestar os primeiros sintomas da doença. A bancada dos trabalhadores na CNPBz transformou a data (5 de outubro) no Dia Nacional de Luta Contra a Exposição ao Benzeno. A viúva do operário também travou uma longa batalha na Justiça até que fosse reconhecido o nexo entre a enfermidade do marido e o contato que ele tivera com o benzeno enquanto trabalhava, sendo exposto ao produto.
Governo Bolsonaro também ataca a Fundacentro
O desmonte promovido pelo governo federal nos fóruns oficiais que debatem a segurança e saúde do trabalhador, não ficando somente potencializado na extinção da CNPBz. É um conjunto de ações que também afeta entidades que realizam fiscalização e pesquisa na área como o que ocorre, por exemplo, na Fundacentro.
Os servidores da (Fundacentro) produziram um relato da experiência de assédio institucional e desmonte da Fundação desde 2019. O documento “Nota Técnica 26” relata que sob o argumento de uma reestruturação, com uma ação “mais técnica”, o Governo alterou o funcionamento da Fundacentro e submetendo-a, inicialmente, ao Ministério da Economia e explica que “na prática (a reestruturação) constituiu o enxugamento, sem qualquer consideração de suas implicações no quadro já reduzido de servidores. (https://afipeasindical.org.br/noticias/nota-tecnica-26-assedio-institucional-na-fundacentro/ )
“O presidente anterior da Fundacentro, Felipe Mêmolo Portela, oriundo de um grupo da AGU voltado às questões de aposentadoria especial, em minha opinião, que é baseada em algumas ações dele, veio para fazer com que os técnicos da casa contribuíssem com as reformas das NRs, especialmente de forma a dificultar as aposentadorias especiais. Isto entre outras ações de desmonte da instituição, como colocação de unidades descentralizadas em extinção, desmonte de todo arranjo organizacional da área técnica da casa, etc. Com o fim das comissões, os técnicos se distanciaram do apoio que poderiam ter na defesa das conquistas conseguidas no âmbito das discussões feitas nas comissões. Isso também serviu para enfraquecer a luta contra os efeitos do benzeno na saúde dos trabalhadores” – finaliza Arline Arcure.
O fato é que o exemplo do desmonte da Fundacentro serve para mostrar que a cada dia as instituições públicas, que atuam na defesa da segurança e saúde dos trabalhadores, sofrem os efeitos da precarização, não tendo “pernas” para fiscalizar as condições de trabalho nas empresas privadas, e/ou mistas, que usam aromáticos nos produtos, e isso fica claro em relação a luta contra os efeitos do benzeno.
Confira o boletim da extinta Bancada dos Trabalhadores na Comissão Nacional Permanente do Benzeno (CNPBZ), que traz informações sobre o benzeno no governo Bolsonaro, sobre as medidas que prejudicam a saúde do trabalhador e sobre o sistema de recuperação de vapores.