O meio rural continua concentrando o maior número de registros, com 87% dos casos
Quase 132 anos após a abolição da escravatura no Brasil, situações análogas ao trabalho escravo ainda são registradas. Somente o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem hoje 1,7 mil procedimentos de investigação dessa prática e de aliciamento e tráfico de trabalhadores em andamento. Segundo dados do Radar da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, em 111 dos 267 estabelecimentos fiscalizados em 2019, houve a caracterização da existência dessa prática com 1.054 pessoas resgatadas em situações desse tipo. O levantamento apresentado nesta quarta-feira (28) aponta ainda que, no ano passado, o número de denúncias aumentou, totalizando 1.213 em todo o país, enquanto em 2018 foram 1.127.
Casos de trabalho escravo
O meio rural continua concentrando o maior número de registros, com 87% dos casos: produção de carvão vegetal (121); cultivo de café (106); criação de bovinos para corte (95); comércio varejista (79); cultivo de milho (67). O trabalho escravo urbano também fez 120 vítimas, a maior parte na confecção de roupas (35). Também houve registros na construção civil (18), em serviços domésticos (14), construção de rodovias (12) e serviços ambulantes (11).
Minas Gerais foi o estado com mais fiscalizações (45 ações) e onde foram encontrados mais trabalhadores em condição análoga à de escravo (468). São Paulo e Pará tiveram 25 ações fiscais, cada, sendo que em São Paulo foram resgatados 91 trabalhadores e no Pará, 66. O maior flagrante em um único estabelecimento foi no Distrito Federal, onde 79 pessoas estavam trabalhando em condições degradantes para uma seita religiosa.
Ainda segundo o balanço, outras operações de destaque ocorreram em Roraima, tendo em vista o grande número de imigrantes venezuelanos que têm atravessado a fronteira para o Brasil em situação de extrema vulnerabilidade. Em três operações realizadas no estado, 16 trabalhadores foram resgatados, sendo três venezuelanos; e 94 tiveram os contratos de trabalho formalizados durante as fiscalizações.
Os trabalhadores resgatados receberam mais de R$ 4 milhões em verbas salariais e rescisórias e 915 contratos de trabalho foram regularizados.
O levantamento mostra que entre 2003 e 2018, cerca de 45 mil trabalhadores foram resgatados e libertados do trabalho análogo à escravidão no Brasil. Segundo dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo, isso significa uma média de pelo menos oito trabalhadores resgatados a cada dia. Nesse período, a maioria das vítimas era do sexo masculino e tinha entre 18 e 24 anos. O perfil dos casos também comprova que o analfabetismo ou a baixa escolaridade tornam o indivíduo mais vulnerável a esse tipo de exploração: 31 % eram analfabetos e 39% não haviam sequer concluído o 5º ano.
“A ausência do Estado que gera boa parte dessas situações de vulnerabilidade. Não por acaso são em municípios com baixo IDH [ índice de desenvolvimento humano], com pouca infraestrutura estatal, com pouca oferta de serviços públicos que esses trabalhadores são encontrados ou saem para serem explorados, são traficados”, ressaltou o chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), Matheus Alves Viana. Segundo ele, hoje os desafios são muito grandes, especialmente porque os exploradores desenvolveram uma contrainteligência e sabem se esconder. “O sucesso se dá quando e Estado está presente e se faz forte. Nenhuma instituição de nenhum Poder consegue fazer nada de forma isolada”, ressaltou Viana.
28 de janeiro – Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo
A divulgação dos dados atualizados de 2019 marca o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que é lembrado em 28 de janeiro. A data homenageia os auditores-fiscais do Trabalho mortos em 28 de janeiro de 2004 quando se deslocavam para uma inspeção em fazendas da região de Unaí (MG), episódio conhecido como a Chacina de Unaí. Os envolvidos nos assassinatos foram condenados, mas 16 anos depois ainda estão recorrendo da sentença em liberdade.
Chacina de Unaí continua impune 16 anos depois
Os Auditores-Fiscais do Trabalho Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram emboscados e mortos durante fiscalização na zona rural de Unaí.
Os responsáveis pela chacina estão em liberdade, apesar de condenações pelo Tribunal do Júri (MG) em 2015. Em 2018, o TRF1 anulou a condenação de Antério Mânica, uma vez que o irmão Norberto Mânica se declarou único mandante. Os intermediários Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro estão livres em virtude de liminar concedida na 4ª Turma do TRF.
Sobre Antério Mânico, ele é ex-prefeito de Unaí pelo PSDB por dois mandatos (2005 a 2008 e 2009 a 2012), tendo sido condenado a uma pena de 100 anos de prisão em 2015 por um Tribunal de Juri.
Protesto – Sinait
O grito de protesto “Justiça que tarda, falha!” norteou os discursos indignados no Ato Público que marcou os 16 anos da Chacina de Unaí, lembrado neste dia 28 de janeiro. O evento ocorreu na manhã de segunda-feira (27), em frente ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1, em Brasília (DF). O ato foi organizado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Nesta luta contra a escravidão, fica mais do que claro o quanto o servidor público é importante para o Brasil, para as pessoas mais simples e sem recursos, para o Estado brasileiro e a sociedade.
Aqueles que assassinam agentes públicos na defesa dos direitos da sociedade, da coletividade, passam uma mensagem de que estão ‘acima da lei’, o que é inadmissível. Um crime como este deve ser punido com rigor para mostrar que a lei se aplica a todos e que a fiscalização do trabalho tem o respaldo de todo o estado no combate ao trabalho escravo.
Esse crime e a impunidade são a caricatura do nosso atraso como civilização expressa na rede de poder político e na posse da terra e o que ela representa sociologicamente no país.
Com Correio Brasiliense/ Metrópoles/ G1/ Sinait