O Sindipetro-RJ não lamenta de forma nenhuma sua passagem para o outro plano e relembra o legado de quem atacou trabalhadores e defendeu com ardor uma ditadura que cassou direitos, sequestrou, torturou e matou pessoas
Economista chefe da política econômica e monetária durante a ditadura civil militar faleceu, sendo incrivelmente lembrado como responsável pelo chamado milagre econômico. Delfim ganhou até nota de pesar, quem diria, de Lula, Haddad e do Banco Central do Brasil.
Na manhã de segunda-feira (12/08) foi anunciado o falecimento do economista Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e do Planejamento, durante os governos da Ditadura civil militar que governou o Brasil entre os anos de 1964 e 1985.
Um milagre só para os ricos
Delfim é considerado o grande formulador da política econômica aplicada durante os governos militares, saudado como responsável pelo chamado “milagre econômico”, quando o Brasil entre os anos de 1968 e 1973, quando o país registrou crescimento médio no Produto Interno Bruto (PIB), que chegaram a 10% ao ano, com um pico de 14% no em 1973.
Mas é que muita gente não sabe, ou faz questão de esconder, no caso os grandes veículos de comunicação, porta-vozes do neoliberalismo, é que esse crescimento econômico teve um preço amargo para os trabalhadores brasileiros.
Enquanto ministro da Fazenda nos governos dos generais Arthur Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici, Delfim Netto, um preposto da burguesia industrial paulistana, defendia o peixe de que era necessário fazer “crescer o bolo para depois dividi-lo”, justificando sua política de acumulação da classe dominante, impondo perdas aos trabalhadores.
Os trabalhadores tiveram que pagar a conta
A inflação, que em 1973 registrou um índice de 15,6%, transbordou ao final do regime militar chegando a 223% ao ano no final de 1984, com Delfim Netto a frente do Ministério do Planejamento, no governo do general Figueiredo. O mesmo que dizia preferir cheiro de bosta de cavalo a cheiro de gente.
O endividamento subiu de 15,7% do PIB em 1964 para 54% do PIB quando os militares deixaram o poder, em 1984. Já a dívida externa cresceu 30 vezes. Passou de US$ 3,4 bilhões em 1964 para mais de US$ 100 bilhões em 1985, mostrando o legado real do economista.
Se você escuta o discurso neoliberal de cortes dos gastos públicos, fique sabendo que foi Delfim Netto que institucionalizou o corte dos gastos sociais.
Aprovada durante a ditadura, a Constituição de 1967 emplacou duas alterações que transformaram o rumo do investimento público na educação. O novo “arcabouço” orçamentário – lembrou do Haddad? – desobrigou o investimento público mínimo no setor. No governo de João Goulart, a legislação previa que a União tinha de investir pelo menos 12% do PIB em educação. Além disso, obrigava Estados e municípios a alocarem 20% do orçamento na área de educação. Em 1970, com Delfim Netto, esse percentual foi para 7,6% do PIB, caiu para 4,31% em 1975, se recuperou um pouco e atingiu 5% em 1978. Sim, o “teto de gastos” começou na ditadura civil militar.
Na ditadura, muitos esqueceram ou não sabem, mas os trabalhadores tiveram aumentos salariais que eram insuficientes para recompor as perdas causadas pela elevação dos preços, reduzindo o poder de compra. Entre 1964 e 1985, o salário-mínimo caiu 50% em valores reais, ou seja, já ajustados pela inflação. O arrocho salarial se em grande parte como resultado da intervenção dos militares sobre os sindicatos, o que diminuiu o poder dos movimentos e de negociação trabalhadores.
O achatamento dos salários reduziu o valor da mão-de-obra. Não bastasse isso, foi reduzida a alíquota máxima do Imposto de Renda, beneficiando os mais ricos, e concedidas várias isenções fiscais ao empresariado. Foi criada a chamada correção monetária, um instrumento que protegia os investimentos da inflação e favoreceu mais quem tinha dinheiro para investir no mercado financeiro. Ou seja, quem era assalariado não tinha ganho real.
Sindipetro-RJ sob a ditadura sofreu intervenção
Muitos sindicatos foram desmantelados. Vários dirigentes sindicais foram presos ou substituídos por simpatizantes do regime, tendo isso, inclusive, acontecido aqui no Sindipetro-RJ.
A primeira foi logo em 1965, o Sindipetro-RJ sofre sua primeira intervenção militar, no ano seguinte é eleita uma chapa única apoiada abertamente pela ditadura. Em 1968, os milicos anulam três eleições e por ordem do 1° Exército é decretada mais uma intervenção na entidade, eram tempos de chumbo.
Durante a ditadura, as empresas estatais foram comandadas por militares de alta patente. Vale lembrar que o ditador, general Ernesto Geisel ocupou a presidência da Petrobrás entre os anos de 1969 e 1973.
Vários quadros da Divisão de Informações (DIVIN) pertenciam ao Exército e tinham sido cedidos à Petrobrás. A maioria atuava no EDISE, o antigo Edifício Sede da Petrobrás que hoje passa por intermináveis reformas, localizado na Carioca, no Centro do Rio de Janeiro.
Resistência e luta contra o arrocho de Delfim
No último governo da ditadura militar, presidido por João Baptista Figueiredo, Delfim Netto procurou o Fundo Monetário Internacional (FMI) para renegociar a dívida externa brasileira, que vinha crescendo desde a crise internacional do petróleo de 1973.
Como contrapartida para o acordo, o FMI fez uma série de exigências, principalmente de cortes de gastos públicos. Um dos alvos eram os trabalhadores do setor público, incluindo estatais. Em maio de 1983 o governo enviaria um projeto ao Congresso Nacional, através de uma série de decretos, que cortava benefícios, estabelecia a meta de reduzir em 10% o pessoal e impedia novas contratações por anos.
Os petroleiros se levantaram contra isso e iniciaram um movimento grevistas nas refinarias da Petrobrás – Landulpho Alves (RLAM) na Bahia e Paulínia em São Paulo (REPLAN). No CENPES, no mesmo ano de 1983, trabalhadores foram perseguidos e colocados numa “lista” para serem sumariamente demitidos. Mas graças a resistência e mobilização
Em 2013, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), após receber alguns arquivos digitalizados, que foram solicitados junto à Petrobrás, identificou que o Serviço Nacional de Informações (SNI) monitorou cerca de 26 mil prontuários de funcionários da empresa. Em nota, a CNV informou na época: “O SNI monitorava movimentações de funcionários e aparentemente tinha poder de veto sobre promoções, caso encontrasse na ficha do funcionário algo considerado subversivo ou inapropriado ao regime militar”.
Entusiasta do AI-5
Não se pode esquecer que o economista foi um dos grandes entusiastas do Ato Institucional n° 5 (AI-5), decretado em dezembro de 1968 pelo governo. Para quem tem memória curta, o AI-5 recrudesceu a política repressiva da ditadura militar ao suspender o direito ao habeas corpus e dar à presidência a prerrogativa de fechar o Congresso Nacional, suspender os direitos políticos dos cidadãos e censurar a imprensa.
Durante o anúncio do AI-5, em reunião no Palácio Guanabara, na assinatura do ato, Delfim Netto fez a seguinte fala ao então general presidente Costa e Silva: “Eu estou plenamente de acordo com a proposição que está sendo analisada no Conselho. E, se Vossa Excelência me permitisse, direi mesmo que creio que ela não é suficiente”. Sim, Delfim queria mais.
A verdadeira face de Delfim
Em 2011, o economista provocou polêmica ao afirmar, em um programa de entrevistas na TV ele disse sobre a regularização da profissão de empregada doméstica: “A empregada doméstica, infelizmente, não existe mais. Quem teve este animal, teve. Quem não teve, nunca mais vai ter”. Isso fala explicita bem o pensamento de um homem com uma visão preconceituosa e escravagista, que é considerado o guru da política econômica dos governos do PT, e que recebeu nota de pesar do Palácio do Planalto.
“Entendo como desrespeitoso os elogios tecidos por Haddad e Lula a Delfim Netto. Ministro da Economia durante a ditadura militar, Delfim esteve à frente de um modelo que concentrou renda e subordinou o país às multinacionais e ao capital estrangeiro às custas da superexploração e arrocho da classe trabalhadora. O chamado ‘modelo desenvolvimentista’. Além disso, foi um dos signatários do AI-5 que perseguiu, prendeu, torturou e assassinou trabalhadores e opositores da ditadura, inclusive petroleiros. Dessa categoria, milhares perderam os empregos sofrendo perseguições políticas que os inseriu numa “lista suja” impedindo de conseguirem novos empregos. Também há fortes relatos de trabalhadores petroleiros que foram presos e torturados deixando suas famílias desassistidas. Referenciar Delfim é passar pano nesse período sombrio da história do Brasil.” – disse a Jornalista Claudia Costa, pesquisadora do projeto “A responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura: Caso Petrobras”, resultado de convênio entre Ministério Público Federal e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Lançamento de livro sobre a ditadura na Petrobrás
Na quarta-feira, dia 21/08, será lançado o livro “Petrobrás e petroleiros na ditadura: trabalho, repressão e resistência”, a partir de 17h, no auditório Evaristo de Morais Filho, localizado no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Largo São Francisco de Paula, 1, Centro do Rio de Janeiro.
Publicada pela editora Boitempo, a obra é fruto da pesquisa apoiada pelo Sindipetro-RJ produzida por Lucia Praun, Alex de Souza Ivo, Carlos Freitas, Claudia Costa, Júlio Cesar Pereira de Carvalho, Marcia Costa Misi e Marcos de Almeida Matos.
O livro “Petrobrás e petroleiros na ditadura: trabalho, repressão e resistência” aborda o contexto de criação da empresa; a aliança e colaboração com a ditadura militar que provocou graves consequências para a categoria petroleira e seus sindicatos; os sérios danos a populações urbanas vulnerabilizadas, como o incêndio em Vila Socó, Cubatão/SP, em 1984, e a povos indígenas, como do Vale do Javari/AM, por meio das atividades sísmicas desenvolvidas nesses territórios; assim como as implicações no contexto da crise climática.
Além disso, a importância e atualidade da Justiça de Transição e das políticas de memória, justiça e reparação também estão presentes no trabalho.
Com BBC Brasil/ Comissão Nacional de Anistia/Publica – Agência de Jornalismo Investigativo
Imagem em destaque – Arquivo Nacional