Especial Agosto Lilás – Mitos e verdades sobre o caso de Assédio Sexual no CENPES
Vamos tratar dos mitos e fatos envolvendo o caso emblemático do CENPES, dialogando sobre a cultura machista que o permeia. Vem com a gente!
Mito 1
“O que aconteceu a essas mulheres foi apenas uma cantada, um convite, um flerte. Não foi nada demais. Isso é mimimi”!
Fato
O que aconteceu com essas mulheres foi algo muito sério, que extrapolou em muito qualquer elogio, cantada ou convite. Foram abordagens persistentes, vulgares, violentas, que contou com invasões ao banheiro feminino, intimidação e chantagem sobre as mulheres, coerção, exposição do órgão genital por parte do denunciado, injúria racial, chegando até à violência sexual mais propriamente dita.
Mito 2
“As mulheres se juntaram para fazer um complô contra o acusado”
Fato
A denúncia foi iniciada por uma funcionária recém-chegada na empresa Vinil e na Petrobrás, que não conhecia previamente nenhuma das demais vítimas. Ela, ao ser abordada coercitivamente pelo agressor em sua primeira semana de trabalho, realizou a denúncia junto ao seu superior hierárquico. A fim de entender melhor a situação, este superior indagou às outras funcionárias que atendiam o setor do agressor se elas já haviam vivenciado alguma situação de assédio ou violência sexual naquele setor.
Desta forma que foram identificadas as demais vítimas que relataram situações semelhantes advindas do mesmo sujeito. Foi assim que as vítimas se reconheceram enquanto vítimas. Afirmar a existência de um complô, sem conhecimento, é colocar o agressor no papel de vítima, desqualificando as verdadeiras vítimas. Denunciar a violência não é um complô, é defender seu direito e sua dignidade.
Mito 3
“Essas mulheres querem é dinheiro”!
Fato
Por sobrevivência física, mental e para conseguirem se manter trabalhando, as trabalhadoras precisavam fazer cessar a violência sofrida. E, a única forma encontrada de fazer isso, foi através da denúncia na esfera criminal que resulta a ação do Ministério Público contra o denunciado. E essa ação do MP busca a condenação do denunciado, não a reparação cível (indenização) pelos danos materiais e morais por ele causado.
É importante dizer, também, que é fundamental que as vítimas busquem reparações nas esferas trabalhista e cível, não há demérito nisso, ao contrário, é, quando muito, uma reparação ínfima para os danos de ordem moral e material que tais violências causam. Nenhuma destas mulheres optou ser submetida a esta situação e todas elas preferiam não tê-la vivido, em detrimento de qualquer indenização. Contudo, a violência infelizmente aconteceu. Violência esta que faz as mulheres adoecerem mental e fisicamente, que detona a autoestima, aumenta absurdamente a sensação de insegurança, colocando essas mulheres sob tensão e alerta 24 horas por dia.
Violência que atinge suas famílias e seus relacionamentos amorosos, que deixa traumas em seus corpos. Esses diversos sofrimentos minam a existência das mulheres e não há dinheiro capaz de indenizá-las.
Além disso, a busca por amenizá-los e por justiça, traz gastos bastante concretos para essas mulheres, como o tratamento em saúde mental para si e para o/a filha/o, impactada/o pela depressão/ansiedade da mãe, o transporte utilizado, a compra dos medicamentos, os valores pagos à advogada, os custos com medidas para aumentar sua segurança, as horas descontadas pela Vinil para os atendimentos junto à advogada, que até hoje não foram reconhecidos pela empresa como acidente de trabalho etc. Não há reparação possível para tais danos!
Todo dinheiro é muito pouco! A condenação eventual do denunciado e eventual indenização são um mínimo e, infelizmente, insuficientes para o dano causado.
Mito 4
“As mulheres davam mole para ele e uma delas já havia, inclusive, saído com o acusado” ou “Elas disseram não, mas na verdade, queriam”.
Fato
A tentativa de justificar a violência sexual, imputando à mulher a culpa pela violência sofrida, já tem nome: “cultura do estupro”. Ela se baseia em culpar a mulher, o seu comportamento, as suas roupas, o número de parceiros, o seu nível alcoólico etc., como suposta justificativa para o assédio e o estupro.
Outro aspecto dessa cultura é quando os maridos ou namorado acham que suas parceiras têm a obrigação de se relacionarem sexualmente com eles, quando não existe essa obrigação! A ausência de um “sim” em uma investida amorosa/sexual deve ser entendida como “não”. E isso precisa ser respeitado em qualquer momento ou sob qualquer situação, esteja a mulher: vestida ou nua, no trabalho ou na rua, sóbria ou bêbada, no shopping ou no motel; uma desconhecida ou sua esposa.
O desrespeito ao “não” ou à ausência de “sim”, em todas as suas formas, é passível da acusação de assédio, importunação sexual ou estupro com as consequências cabíveis em cada caso, na esfera trabalhista e criminal. Assim, é preciso repetir que NÃO É NÃO! NÃO HÁ JUSTIFICATIVA PARA O ASSÉDIO E A VIOLÊNCIA SEXUAL.
Mito 5
“Não posso mais falar com as mulheres! Também não as posso mais elogiar. Paquera, nem pensar. Nunca sei quando será considerado assédio”.
Fato
O diálogo entre homens e mulheres é fundamental. A paquera também é algo normal e saudável. Contudo, é preciso lembrar que o diálogo ou mesmo a paquera pressupõe respeito e troca e não um “eu posso falar o que eu quiser para você”.
Por isso, é preciso cuidado nesta investida, seja com o seu conteúdo e em sua forma. De antemão, podemos alertar que os elogios sobre o corpo das mulheres e comentários eróticos e/ou sensuais com quem você não tem uma relação amorosa são, de antemão, desnecessários e enquadráveis como assédio ou importunação sexual. Mesmo nos elogios ou falas aparentemente gentis, é preciso perceber se está havendo consentimento e troca da outra parte, se está gerando satisfação ou constrangimento, medo, angústia.
É preciso entender ainda que: a frequência/insistência com estas abordagens são feitas, podem gerar a sensação de perseguição, gerando medo nas mulheres; os olhares e as outras expressões faciais ou corporais associadas também transmitem mensagens; que a troca pressupõe igualdade de condições e, a posição hierárquica compromete essa condição, tendo em vista que existe uma relação de poder, demandando ainda mais atenção.
Outros aspectos importantes de serem lembrados são: o beijo na mão, o alisar o cabelo de uma mulher não estão liberados. O acesso ao corpo da mulher precisa ser autorizado.
Mito 6
“O acusado é pai de família”
Fato
As vítimas também são chefes de família e em condição muito mais precárias do que a do acusado. Prova disso é que, mesmo adoecidas, se mantiveram trabalhando a um custo físico e psicológico incontabilizáveis e até hoje, essas mulheres buscam forças para se manterem de pé, mesmo com a calúnia e difamação que sofrem cotidianamente no CENPES. Além disso, não foram elas que escolheram sofrer assédio e/ou violência sexual em seu local de trabalho. Por fim, todo pai de família e seus amigos(as), precisam se preocupar com isso antes de praticarem alguma violência contra mulher e não depois.
Não é demais informar que, as defesas do acusado que chegaram ao Sindicato começavam da seguinte forma: “Ele era bizarro com as mulheres, mas…”; “Ele era tosco mesmo na abordagem às mulheres, mas….”; “Ele era conhecido como o tarado do CENPES, mas…”. Ou seja, o comportamento do acusado era conhecido por muita gente e naturalizado por estas. Assim, até ocorrência das denúncias, não parece ter havido preocupação deste pai de família, de seus amigos e muito menos com as mulheres com os quais ele lidava.
Mito 7
“O sofrimento destas mulheres cessou com a retirada do agressor da Petrobrás”
Fato
Infelizmente não! Seja porque ser vítima desse tipo de violência gera traumas para o resto da vida, seja porque essas mulheres estão sofrendo outro processo de violência, através da calúnia e difamação que sofrem cotidianamente por pessoas próximas ao agressor. O que não sabemos, contudo, é se essas pessoas têm consciência de que, ao fazê-lo, além da desumanidade que estão praticando, da reprodução do machismo e da defesa da cultura do estupro, estão praticando os crimes de calúnia e difamação, conforme os artigos 138 e 139 do Código Penal Brasileiro.
Mito 8
“Eu sou uma mulher, não sou machista e tenho lugar de fala” ou “Eu amo as mulheres: sou casado, tenho filha, amo minhas netas”
Fato
A cultura machista, assim como todos os demais preconceitos, está impregnada em nossa sociedade. Assim, mulheres e homens aprendem a reproduzir o machismo, assim como o racismo, a homofobia etc. Com isso e, infelizmente, o fato de uma pessoa ser mulher ou se relacionar com mulheres, não significa que essa pessoa não reproduza o machismo. A luta contra os preconceitos entranhados em nossa cultura é cotidiana. Demanda atenção, informação, exercício e cuidado permanente. Essa é uma luta e cotidiana e precisamos de todos!