Por Antony Devalle, diretor do Sindipetro-RJ
No início da tarde de 23 de março passado, o Wanderley Augusto Moreira Rocha morreu, aos 54 anos. Ele trabalhou durante 15 anos como terceirizado na área de informática da Petrobrás. Entre muitas outras atividades, foi um dos responsáveis por treinar profissionais de comunicação e outros em algumas ferramentas de publicação na intranet da empresa. Isso o fez conhecer pessoas de diversas áreas da Petrobrás. Invariavelmente, era benquisto por quem tinha a oportunidade de trabalhar com ele. Ao longo de 10 dos 15 anos em que esteve na Petrobrás, o Wanderley se dedicou também ao Voluntariado Corporativo, participando de praticamente todas as ações organizadas pelo então Núcleo de Responsabilidade Social da Tecnologia da Informação e Telecomunicações (TIC). Deu aulas de informática pra adolescentes, idosos, catadores de materiais recicláveis, integrantes de outros empreendimentos da chamada economia solidária… Ajudou a desenvolver softiueres pra cooperativas de catadores de materiais recicláveis. Deu aulas de fotografia pra jovens aprendizes. Foi incentivador de todos os seus alunos, por quem era adorado.
O Wanderley sempre foi crítico em relação às injustiças. Nesse contexto, o mundo corporativo de uma Petrobrás cada vez mais privatizada em sua lógica de funcionamento foi ficando insuportável pra sua alma. Em 2019, passou a se dedicar profissionalmente à fotografia, após muitos anos em que atuou como amador nessa área, revestindo a palavra amador sobretudo com amor. Recebeu diversos prêmios como fotógrafo. Seu trabalho nessa arte gira em torno sobretudo da natureza, da rua e do documental. A beleza e a crítica social eram unidas por Wanderley em sua obra, que pode ser vista, em parte, no seu saite, cujo endereço eletrônico é https://wanderochaphotography.46graus.com/.
A série “Invisíveis” mostra mendigos, trabalhadores da base da pirâmide social, artistas de rua e outras pessoas do povão que iluminam fotografias de um cotidiano maltratado e ainda assim radiante. Contraste social em pleno Carnaval, com foliões de costas prum mendigo adormecido no chão, com um papelão como cobertor. A alegria, importante pra acabar com a miséria, convivendo com a miséria. Miseráveis que teimam em sorrir. Sorrisos banguelas a mostrar que os mais ferrados, os esquecidos, os invisíveis também têm direito a ter direitos. Também têm direito a ser felizes. A tristeza também estampada nas fotos, evidenciando que, apesar da flor rompendo o asfalto, a desigualdade, gritante mesmo quando naturalizada (e sua naturalização é gritante), exacerbada na miséria, rouba vida da vida de muitas e muitas pessoas.
“As coisas só têm significado quando nós as conhecemos.” Esse é o título de outro ensaio. Com a fotografia, Wanderley escrevia o significado de muitas situações, o sentido de muita gente.
A seguir, alguns comentários de trabalhadores da Petrobrás que conheceram o Wanderley:
Conheci o Wanderley em projetos voluntários na Petrobrás, onde ele sempre foi um educador apaixonado. Ensinava informática, ensinava fotografia, ensinava adolescentes, jovens e idosos. Invariavelmente, era dos trabalhadores / educadores / voluntários da Petrobrás mais queridos não somente pelas/os estudantes, mas também pela equipe que organizava os projetos. Porque ele não era apenas professor, ele se colocava ao lado das/os estudantes. Ele participava das discussões de como deveriam ser as ações de voluntariado da TIC da Petrobrás. Sempre foi um trabalhador e um voluntário referência, porque se irmanava com o outro. Vendo um pouco do seu trabalho na fotografia, percebi que essa sua característica transbordava também ali. Onde estiver, fará desse lugar um canto mais iluminado, mais fraterno, mais apaixonante. (Luiz Arthur Silva de Faria)
Caramba, que notícia triste! Mesmo não tendo intimidade com ele, nos conhecemos na Petro, no trabalho de voluntariado, onde compartilhávamos a paixão pela fotografia, cada um no seu nicho. Uma grande pessoa, de um coração maior ainda. Sinto muito pela sua perda e desejo toda força possível pra família e amigos mais chegados. Que descanse em paz. Deixou sua marca de competência, amizade e bom coração entre nós. (Carlos Eduardo – Cartola)
O Wanderley tinha sempre um sorriso no rosto, tinha uma alegria de viver. Era um professor nato, os adolescentes do AdolescenTI adoravam ele, certamente inspirou muitos jovens a continuar os estudos e a seguir na resistência por uma vida melhor. O AdolescenTI era um programa de voluntariado através do qual funcionários da TIC davam aulas de tecnologia a estudantes de periferias. Wanderley foi cedo demais, mas deixou um legado de alegria, ensinamento e amorosidade! (Mônica Mitkiewicz)
Wander Rocha, um irmão, de mesmo sobrenome e tudo, que a vida me deu. Uma pessoa ímpar, coração gigante, que me ensinou a enxergar coisas invisíveis. Via beleza nos detalhes imperceptíveis pelos olhos da grande maioria de nós. Depois, eu aprendi que não precisamos de fato enxergar, nós só precisamos sentir. Era isso que ele passava nas fotos, nas relações, no trabalho e na vida. Ele expressava sentimentos. Infelizmente Wander nos deixou, mas viverá para sempre em minha memória. Sou grato pelo longo convívio, por plantar esse sentimento de amor por você e sua família, por inspirar pessoas… Vai em paz, por aqui suas sementes de amor irão germinar! (Alexandre Rocha)
Obra “Asas pra que te quero”, de Wander Rocha, que ficou em 8º lugar no Concurso Prata da Casa – fotográfico, 2008 – promovido pela Petrobrás, de abrangência internacional, na categoria preto e branco
Além do texto acima, que dedico ao Wanderley, ressalto que seu olhar foi sempre um sol que iluminava suas relações. Na fotografia, na atuação social e no dia-a-dia em geral. Ele sempre falava com muito carinho sobre a sua família. E sempre buscava tratar bem as pessoas com as quais convivia. Filho do subúrbio, fez do mundo a sua pátria. A humanidade era a sua cidade, a sua terra natal. Foi um educador, importante na vida de cerca de duas centenas de jovens, adultos e idosos. Sua atuação na Petrobrás era um prenúncio do que a maior e mais estratégica empresa do Brasil poderia ser, por mais que setores privatistas e tecnocratas em geral insistam em impedir. A privatização da lógica de funcionamento da Petrobrás, dos seus valores, da sua cultura, sua privatização mais profunda, tão comum no mundo corporativo, levou o Wanderley a não aguentar mais ficar na empresa. Deveria ser motivo de ampla reflexão a maior empresa do país não ter espaço acolhedor pra criatividade de alguém como o Wanderley. Com suas fotografias, com suas ações práticas, com seu jeito de ser, ele tornou visível o “invisível”.
Seu sorriso, agora “invisível”, será sempre especialmente visível pra quem teve a felicidade de conviver com ele.