Por André Lobão
Na sexta-feira (14/01), o Brasil perdeu um de seus maiores ícones da literatura, o poeta Thiago de Mello. Nascido em 30 de março de 1926, em Barreirinha, município do estado do Amazonas, o poeta foi um expoente da cultura amazônida e também um militante das causas populares e dos direitos humanos, enfrentando a ditadura militar
Após o golpe de 1964, Thiago de Mello produziu uma série de poemas em que expunha sua aversão ao regime militar. O primeiro, e mais famoso, foi o poema “Os Estatutos do Homem”, em que denunciava o Ato Institucional nº 1, ainda em 1964, que suspendia direitos políticos e reforçava o poder militar no Brasil, com prisões sumárias, “legalizando o golpe”.
Servir a golpistas, jamais!
Retorna em 1965 ao Brasil, para trabalhar pela volta da democracia, pois ainda havia a perspectiva de novas eleições gerais (Negrão de Lima vinha candidato com apoio do Juscelino). Ao chegar de Santiago, Thiago vai trabalhar dirigindo o Departamento de Literatura Latino-Americana da Editora Civilização Brasileira de Ênio Silveira. A Integração Cultural da América Latina era um empenho seu. Ênio também editava a Revista Opinião, nomes como Ana Arruda, Paulo Francis, Carlos Heitor Cony e Thiago de Mello faziam parte da redação. Mas a promessa de novas eleições é descartada pelos golpistas. Nos anos seguintes são promulgados mais atos institucionais, que culminam com o AI-5, em dezembro de 1968. Com este último ato foi suspenso o Habeas Corpus, não havendo mais garantias individuais, o que permitia invasões de domicílios de qualquer cidadão, por agentes da segurança pública sem a devida autorização da Justiça.
O exílio
Conforme o regime dos militares coibia as liberdades e a democracia, o poeta publicou “Faz escuro mas eu canto”, de 1965, o “A canção de amor armado”, de 1966. Consideradas como afronta, o conjunto de suas obras foi o suficiente para que Mello fosse perseguido pelo governo militar, sendo obrigado a se exilar no Chile, em 1969, onde reencontrou seu amigo e parceiro de trabalho, o também poeta Pablo Neruda. Ambos traduziam, mutuamente, suas respectivas obras.
No mesmo ano Thiago, com sua esposa Lourdinha, grávida, se engaja na campanha do então Senador Salvador Allende, socialista, que os recebeu de braços abertos. Allende foi eleito presidente em 1970, sendo derrubado por um sangrento golpe militar em 1973, que culminou com sua morte após intenso bombardeio da sede de governo, o Palácio La Moñeda. No mesmo ano, do golpe do Chile, o poeta, junto com sua família, consegue ir para a Alemanha. Na sequência vai para França e Portugal, e retorna para o Rio de Janeiro em 1977, onde é preso na porta do avião pelos militares ao tentar desembarcar.
“A ‘resposta’ à prisão na porta do avião, ao invés dele ficar calado, foi o espetáculo ‘Faz escuro mas eu mas eu canto’ com Sergio Ricardo e Thiago de Mello no palco, dirigido por Flávio Rangel” – conta a cineasta, e escritora, Isabella Thiago de Mello, filha do poeta.
O engajamento de Thiago de Mello na luta por direitos humanos o tornou internacionalmente conhecido. O poeta só voltou a ter uma vida normal, e sem perseguições, com a promulgação da Lei de Anistia, em 1979.
Os Estatutos do Homem: uma homenagem ao amigo perseguido
“Quando veio o Golpe Militar de 1964, papai estava trabalhando como Adido Cultural no Chile, e entrega o cargo, pois jamais trabalharia para um governo golpista. E continua no Chile trabalhando como editor e jornalista. Só que 15 dias depois do golpe, chega a notícia de que seu melhor amigo, o jornalista Carlos Heitor Cony havia sido preso, dentro da redação de jornal. Papai vai para casa, residência de Pablo Neruda, onde ele morava, e escreve ‘Os Estatutos do Homem’ em resposta ao AI-1, e transtornado com a prisão do Cony. Papai então, do Chile, envia pelos Correios ao jornal brasileiro Correio da Manhã, e o editor Pompeu de Souza publica ‘Os Estatutos’ no sábado, 30 de maio de 1964, em todas as bancas de Norte a Sul do País” – relembra Isabella.
Sindipetro-RJ lamenta morte do poeta
Amigo da família de Thiago de Mello, e próximo de Isabella , o diretor do Sindipetro-RJ, Ivan Luiz lamenta a perda do poeta.
“Nesse momento tão delicado, confesso o quão difícil é escrever sobre o poeta. Qualquer linha que redija aqui, terá sido pouca para expressar minha admiração e traduzir o tamanho deste gigante.
Na internet é possível achar muito material sobre sua trajetória, seus poemas, livros, o exílio, a amizade com Neruda. Mas as entidades não morrem e Thiago é uma delas. Encerra-se o ciclo físico dele entre nós, mas sua obra está aí, eterna. E o que está por vir também” – reflete o diretor.
O Sindipetro-RJ expressa condolências à família de Thiago de Mello, em especial a sua filha, Isabella.
Thiago de Mello, presente!
Imagem Lily Sverner