Por André Lobão
Os fundos de pensão ao longo dos anos têm sido alvo de diversas fraudes promovidas por tubarões do mercado financeiro. Diante do contexto podemos aplicar uma analogia a partir da fábula da raposa que se apossa do galinheiro
A título de auferir para si e oferecer maior rentabilidade aos gestores (gerentes de um galinheiro) de fundos de pensão, especuladores , corretoras, bancos, empresas (raposas) apresentam Fundos de Investimentos em participações (FIP) como alternativa para multiplicar o dinheiro guardado dos aposentados e ativos (galináceos) que contribuem com os fundos. Esses FIPs operam esses recursos e aplicam em empresas de capital aberto, fechadas e de capital limitado que apresentam possibilidade de crescimento em suas áreas de atuação. Em tese, é um financiamento bancado por fundos como a Petros para apoiar o desenvolvimento de empresas que apresentam um grande potencial de crescimento, proporcionando rentabilidade para o dinheiro aplicado. Mas na prática essa grana é usada muitas vezes para operações fraudulentas contra os fundos de pensão como vem denunciando o Ministério Público Federal (MPF) em investigações como a Operação Greenfield.
Landim, o urubu malandro
O Ministério Público Federal (MPF) no último dia 27 de julho anunciou o indiciamento de cinco pessoas por crime de gestão fraudulenta contra os fundos de pensão Petros (Petrobrás), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Previ (Banco do Brasil). A denúncia aponta a participação de ação de integrantes das equipes gestoras dos Fundos de Investimentos e Participações (FIP) que receberam os montantes aplicados pelas entidades de previdência complementar. Houve perda total do capital investido pelo FIP: um prejuízo superior a R$100 milhões. O MPF pede que os réus sejam condenados a pagar o triplo do montante perdido, a ser atualizado pela Selic quando à época do pagamento.
Segundo o MPF, o esquema ocorreu entre 2011 e 2016, captando mais de R$ 585 milhões de outros fundos de pensão como VALIA (Vale), Real Grandeza (FURNAS), FORLUZ (CEMIG), BANESPREV (Banespa), Economus (Banco do Brasil/Nossa Caixa) e Santander. Os denunciados, Luiz Rodolfo Landim Machado, Nelson José Guitti Guimarães, Demian Fiocca, Geoffrey David Cleaver e Gustavo Henrique Lins Peixoto, atuaram como representantes das empresas Maré Investimentos e Mantiq junto aos diretores dos fundos de pensão. Essas duas instituições foram as gestoras do FIP Brasil Petróleo 1.
As investigações revelaram que os gestores da Maré e da Mantiq participaram ativamente das negociações que driblaram a regulamentação do FIP, que, segundo a norma vigente, não era permitido realizar investimentos de fundos de pensão em empresas estrangeiras, mas apenas nacionais. Ocorre que os denunciados tinham por objetivo investir, desde o início, na empresa americana Deepflex. O dinheiro foi irregularmente remetido para o exterior e a Deepflex incidiu em falência, desaparecendo todo o recurso financeiro que havia recebido.
O líder do esquema, Luiz Rodolfo Landim Machado é atualmente presidente do Clube de Regatas Flamengo, associando a imagem do clube ao presidente Bolsonaro, obtendo patrocínios estatais como do banco BRB (que fez empréstimo para a compra da mansão de mais de 6 milhões de reais por Flávio Bolsonaro) , e de empresas ligadas a apoiadores do presidente da República como Havan, de propriedade de Luciano Hang.
Landim entre os anos de 2003 e 2006, foi presidente da BR Distribuidora (recém privatizada por Bolsonaro), sendo indicado pelo então senador Delcídio Amaral (PT-MS), líder no Senado do PT.
Empresas de fachada
A manobra que viabilizou a irregularidade – o envio de recursos para empresa fora do país – foi a criação das companhias Brasil Petróleo e Participações SA e Deepflex do Brasil . Essas entidades tiveram a função de veículos de fachada, encobrindo o objetivo de aplicar na Deepflex Inc. O dinheiro era enviado para as empresas brasileiras, que remetiam para o exterior. Nesse aspecto, vale destacar que a aprovação de investimento da instituição americana antecedeu a própria criação das empresas nacionais.
Paulo Guedes, um “raposão” bem conhecido
É importante lembrar que o atual ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes foi alvo de investigação da Operação Greenfield por suspeita de fraudes contra fundos de pensão, como o Petros; o Previ, do Banco do Brasil; e o Funcef, da Caixa Econômica Federal. Segundo as investigações, os fundos de pensão aportaram mais de R$1bilhão nos fundos de investimentos de ligados a Guedes – FIP BR Educacional, FIP Brasil de Governança Administrativa, FIP Caixa Modal Óleo e Gás.
Em dezembro de 2020, o procurador-geral da República, Augusto Aras, encerrou as atividades da força-tarefa da Operação Greenfield sem que mais da metade das metas estabelecidas tivessem sido cumpridas. A investigação que envolve o ministro da Economia encontra-se parada no Ministério Público Federal.
Segundo consta nos autos do processo 000990094/2018 do MPF, os fundos geridos por Paulo Guedes e sua rede são investigados sob a suspeita de gestão fraudulenta ou temerária de instituições financeiras e de emissão e negociação de títulos mobiliários sem lastros ou garantias.
O MPF sustenta que projetos tocados por uma gestora de ativos do ministro entre 2009 e 2013 deram, em valores atualizados pela inflação, prejuízo de R$ 360 milhões aos investidores.
O escândalo FIP Sondas
Realizado em 2011, a Petros investiu um total deR$ 1,386 bilhões, para a construção de 28 sondas, sendo R$ 350 milhões relativo à sete sondas, licitadas diretamente pela Petrobras, e R$ 1,036 bilhão, relativo à 21 sondas, licitadas pela Sete Brasil. O investimento total resultou em uma participação de 17,6% da Petros em FIP Sondas. Este FIP gerido pela Caixa Econômica Federal.
O MPF abriu uma sequência de seis ações penais em que 29 pessoas, todas diretores e conselheiros dos fundos de pensão (Petros, Previ, Funcef e Valia), foram denunciadas, sem que neste grupo tenham sido inseridas pessoas jurídicas privadas de bancos (BTG Pactual, Bradesco e Santander), e dos estaleiros envolvidos com seus respectivos representantes que participaram do negócio.
Recentemente, em 04/08, Petros e Petrobrás divulgaram a celebração de um acordo realizado no processo arbitral FIP Sondas, em curso desde 2017, que implicará no pagamento pela Petrobrás a Petros no valor de R$ 950 milhões até o final do ano de 2021.
O caso Galileu/Gama Filho
Dentre um dos 70 investimentos considerados lesivos ao fundo de Pensão Petros, conforme um relatório da Ernest Young , está à compra de debêntures de R$ 22 mi da Galileu Gestora de Recursos SPE S/A, realizada em dezembro de 2010. Segundo o MPF, em dezembro de 2010, o Grupo Galileo emitiu debêntures no valor de R$ 100 milhões para captar recursos a fim de recuperar a recém-adquirida Universidade Gama Filho, ou seja, a Petros injetou o equivalente a 22% do negócio.
A operação causou perdas aos segurados no valor de R$ 90 milhões e também foi apurada pela CPI dos Fundos de Pensão na Câmara dos Deputados, cujo relatório final, aprovado em abril de 2016, concluiu pela irregularidade da compra dos títulos mobiliários e apontou indícios de graves ilícitos penais. Além da Petros, outro fundo de pensão prejudicado na operação da Galileo foi o Postalis, dos Correios. Em 2016, a Justiça Federal no Rio decretou o bloqueio de R$ 1,35 bilhão de 46 investigados – pessoas físicas e jurídicas – por suposto desvio de recursos na compra de debêntures do Grupo Galileo. Naquele mesmo ano foi deflagrada, em conjunto com a Polícia Federal, a Operação Recomeço.
“As investigações encontraram fortes indícios de que o dinheiro captado foi ilegalmente desviado para outros fins, em especial para contas bancárias dos investigados, de terceiros e de pessoas jurídicas relacionadas aos investigados, o que levou à quebra definitiva da Gama Filho e da UniverCidade, também mantida pelo Grupo, e ao descredenciamento delas pelo Ministério da Educação em 2014, com danos a milhares de estudantes”, diz o texto divulgado no site da Procuradoria.
Criminalização de representações dos trabalhadores
Em 2015, o Conselho Fiscal da Petros exigiu que a fundação apresentasse a auditoria solicitada pelo Conselho Deliberativo. Após muita luta, a Diretoria Executiva da Petros apresentou o relatório da empresa Ernst & Young que analisou as perdas da Petros, detectando diversas irregularidades. Em 2016, o Conselho Fiscal enviou a denúncia para a Previc e depois ao MPF. A Petros, nos últimos anos está realizando a apuração de cada um desses ativos, buscando as responsabilidades.
Da mesma maneira que o MPF e a PREVIC, a PETROS também não prima por ir atrás do dinheiro (Follow the money), priorizando responsabilizar os seus próprios gestores. Podem processar mil vezes seus gestores, que não recuperarão o dinheiro.
O que fica evidente nestas investigações da Operação Greenfield é que empresários e pessoas jurídicas foram “aliviadas”, infelizmente uma prática recorrente do MPF. As acusações contra gestores, conselheiros e diretores não possuem tipificação de conduta, que seriam provas de atos praticados a partir dos processos que são acompanhados.
Com isso, o modelo de investigação adotado pelo MPF, com suporte da Petros, segue um caminho de criminalizar as atividades de representação dos trabalhadores que elegem conselheiros e diretores nos fundos de pensão, livrando da responsabilidade o grande capital. Há o caso específico de um conselheiro fiscal da Petros que teve um pedido de reunião recusada por um procurador que atuava nas investigações da Operação Greenfield em que iria expor um relato sobre a situação do FIP Sondas. Este procurador nunca ouviu os diretores e conselheiros eleitos sobre esta investigação, ouvindo somente os acusadores.
Diante disso, o fato é que o indiciamento de Landim e de seus sócios, no trambique da FIP Brasil – Petróleo 1 chega a causar uma certa surpresa, já que ao longo dos anos as “raposas” do mercado financeiro que rapinam os fundos de pensão saem incólumes das investigações. Nesta situação podemos incluir o caso JBS, cujo o dono Joesley Batista foi pego na Operação Lava Jato em fraude em operações no FIP Floresta, tendo a Petros enterrado R$ 275 milhões no negócio.
As contas da Petros foram rejeitadas entre 2004 e 2019 pelo seu conselho fiscal . Essa rejeição por 16 anos consecutivos, sendo quatro anos – de 2013 a 2017, por unanimidade de seus membros, ou seja, contando com o voto dos conselheiros indicados também pela Petrobrás – sempre foi de pleno conhecimento do MPF, da Previc e da própria Petrobrás. A pergunta que fica é: por que esses alertas dos conselheiros fiscais não foram suficientes para evitar as perdas com investimentos na Petros?
Regulação e controle dos fundos de pensão
A previdência complementar possibilita ao trabalhador, facultativamente, acumular reservas para que, no futuro, possa desfrutar de uma complementação na sua aposentadoria e assegurar pensão aos seus dependentes, objetivando dar maior qualidade de vida na fase pós-laborativa.
O Regime de Previdência Complementar Brasileiro está conceitualmente classificado em dois grupos: Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC e Entidades Abertas de Previdência Complementar – EAPC, sendo fiscalizado por órgãos de governo específicos para cada segmento, o fechado pela Previc e o aberto pela Susep.
Previc é a Superintendência Nacional de Previdência Complementar. Ela é uma autarquia vinculada ao Ministério do Trabalho, e visa supervisionar a atuação das Entidades Fechadas de Previdência Complementar.
Por sua vez, compete ao Conselho Nacional de Previdência Complementar – CNPC, nova denominação do então Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC), a função de regular o regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar. Sua organização e funcionamento estão presentes no Decreto nº 7.123, de 03 de março de 2010, bem como em seu Regimento Interno, Portaria MPS nº 132, de 14 de março de 2011.
O CNPC é presidido pelo ministro da Previdência Social e composto por representantes da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério da Economia, das entidades fechadas de previdência complementar, dos patrocinadores e instituidores de planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar e dos participantes e assistidos de planos de benefícios das referidas entidades.
Já a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é uma autarquia vinculada ao ministério da Economia que regula o mercado de transações financeiras. No caso dos FIPs, a CVM regula sua constituição, funcionamento e administração.
A Resolução do Banco Central CMN 4.661/2018, que substituiu a CMN 3.792/2009; trata das diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar .
Mas diante de tanta regulação, legislação e fiscalização, por que essas fraudes contra fundos de pensão acontecem com tanta frequência?
Essa pergunta ganha peso quando mais uma vez algum tipo de denúncia e investigação é publicizada como essa mais recente envolvendo o atual presidente do Flamengo, Rodolfo Landim.
Fundos de pensão possuem mais de R$ 1 trilhão
Segundo o Relatório de Estabilidade da Previdência Complementar, em sua 6ª edição, emitido pela Previc, divulgado em junho último, a previdência complementar fechada representa parte significativa da poupança de longo prazo no Brasil. Ao final de 2020, o montante de ativos dos planos de benefícios sob gestão das Entidades Fechadas de Previdência Fechada (EFPC) atingiu R$ 1,05 trilhão, um montante correspondente a aproximadamente 14% do PIB. No período, o sistema apresentou aumento no total de ativos em 5,7%, atingindo R$ 1,05 trilhão, destacando o crescimento de 8,7% nos planos com patrocínio público federal, apesar da redução na quantidade de entidades .
O resultado líquido final do Sistema de Previdência Complementar Fechada (SPCF) em 2020 foi positivo, superior a R$ 8 bilhões no final do ano, com manutenção da tendência crescente do superávit agregado, que alcançou R$ 35 bilhões, e da tendência declinante do déficit, que foi reduzido a R$ 27 bilhões.
Atualmente, o Sistema de Previdência Complementar Fechada contém mais de 7 milhões e novecentos mil participantes, sendo 3 milhões contribuintes na fase de acumulação de recursos e 4 milhões e 900 mil na fase de recebimento de benefícios. Ressalta-se ainda que os planos de benefícios são patrocinados por mais de 3.300 entidades públicas e privadas.
Conforme informe do Relatório Anual da Petros – 2020, hoje, o valor contábil registrado pela fundação em Fundos de Investimento em Participações é de mais de R$ 213 milhões. Ou seja, dos R$ 300 milhões investidos hoje, uma parte da carteira dos FIPs, R$ 90 milhões, está provisionada para perdas, registrando um valor “reduzido” pela “possibilidade” do dinheiro investido se perder por conta de investimentos mal sucedidos.
Enquanto isso, os aposentados, pensionistas e ativos seguem sendo os maiores fiadores e vítimas do apetite voraz das raposas do mercado financeiro que entopem de dinheiro os bolsos da burguesia brasileira que conta seus ovos de ouro.