Decisão de mudanças na especificação pode trazer impactos ambientais
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizará audiência pública para discutir a possibilidade de mudanças na especificação do gás natural fornecido ao mercado, sendo que o prazo para a abertura do processo e o cronograma de implementação das eventuais alterações ainda não estão definidos. A informação, veiculada pelo jornal Valor Econômico do dia 25 de maio, aponta que a proposta poderá aumentar em até 7% o volume de emissões de gases de efeito estufa, de acordo com levantamento feito pela consultoria Environmental Resources Management (ERM).
A ERM afirma que as alterações propostas permitirão a comercialização de um gás com maior participação de etano, diminuindo a eficiência dos equipamentos que terão que consumir um volume maior do produto, aumentado as emissões e danos ao meio ambiente. Paralelamente, um dos receios das grandes indústrias é a necessidade da realização de investimentos para adaptar os equipamentos às novas especificações do gás. Da mesma forma, as mudanças poderão, ainda, requerer adequações dos equipamentos dos consumidores, seja em suas residências ou veículos.
A matéria do Valor afirma que “segundo uma fonte com conhecimento do assunto”, a proposta encampada pela ANP teria partido da Petrobras, uma vez que o gás natural produzido no Pré-Sal é rico em etano e a empresa não demonstra interesse em “investir nas unidades de processamento de gás natural (UPGNs) para adequar o energético à especificação atual da ANP”.
De acordo com o veículo, a Petrobras, contudo, nega essa versão, através de nota onde afirma que planeja iniciar no segundo semestre as obras da UPGN do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, com investimentos previstos de US$ 2,2 bilhões e conclusão estimada para 2020 e que considera benéfica a proposta da Agência. A companhia acrescentou ter conduzido uma “série de estudos” em seu Centro de Pesquisas (Cenpes) para mapear possíveis impactos com a alteração da especificação e “nos segmentos automotivo, residencial e industrial não foram identificados quaisquer impactos”.
O que a matéria não esclarece é que após a extração do gás natural, o energético é enviado para as UPGNs onde ocorre sua separação em uma fração gasosa “seca”, constituída principalmente por metano (CH4), e em uma fração líquida denominada líquido de gás natural (LGN), a qual poderá ser ainda fracionada em etano (C2H6) e propano (C3H8), além de servir de base para o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP ou gás de cozinha) e o condensado de gás natural, também chamado de gasolina natural. Após o processamento, o etano e o propano são encaminhados aos produtores de segunda geração para serem usados como insumos petroquímicos, originando polímeros que encontram diversas aplicações em nosso dia a dia. Adicionalmente, o gás etano é utilizado na indústria química para a produção de vários compostos, na metalurgia para tratamento térmico de metais e também como gás refrigerante para produzir temperaturas criogênicas (muito abaixo de 0ºC) em sistemas de refrigeração.
A partir do momento em que a direção da Petrobrás decide, em sua política suicida, sair do ramo petroquímico, o aumento da fração de etano na especificação do gás natural concretiza o desperdício de um insumo valioso.
Para recordar: atendendo a uma demanda boliviana, a Petrobrás pagou àquele país, de forma retroativa referente ao período entre 2008 e 2013, pela importação do gás “rico”, ou seja, gás natural contendo LGN em sua composição. Porém, por não haver uma planta separadora dos produtos ao longo do gasoduto Brasil-Bolívia, componentes que poderiam ser utilizados pela indústria petroquímica foram devidamente desperdiçados. Em fato relevante, a empresa informou que um acordo celebrado em janeiro de 2014 encerrava as obrigações de pagamento de US$100 milhões por ano referentes aos líquidos, alegando que apesar da não separação dos líquidos para aproveitamento petroquímico, o “gás enriquecido” apresentava maior poder calorífico, aumentando a quantidade de energia comercializada e, por consequência, trazendo vantagens econômicas para a empresa. O argumento, além de questionável, não evitou a auditoria do TCU no caso.
Concluindo, parece que quando não desperdiça etano pagando por ele sem prover destinação devida, a Petrobras o desperdiça incentivando a modificação da especificação do gás natural e ninguém paga um centavo a mais por isso. A Bolívia, sem dúvida, teve mais sorte.
Fontes: http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/gas-boliviano-respostas-a-revista-epoca.htm; http://www2.valor.com.br/internacional/3728130/brasil-pagou-bolivia-por-gas-rico-que-nao-aproveitou; https://oglobo.globo.com/economia/negociacao-de-acordo-de-gas-com-bolivia-deixa-petrobras-de-lado-18612765
(Publicado no Boletim Sindipetro-RJ, número 2)