Por Rosa Maria Corrêa
É inaceitável que um executivo da Petrobrás defenda o setor de biocombustíveis publicamente, enquanto a direção bolsonarista avança com o processo de privatização da Petrobrás Biocombustível
A agência independente de mídia digital EPBR realizou debate “Biocombustíveis: caminhos para o futuro”, ao vivo, pelo YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=VxKmDfWHAZs&list=WL ) , na quinta (22), patrocinado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), sobre as contribuições dos mercados de combustíveis e biocombustíveis e da indústria automobilística para a descarbonização da economia brasileira.
Diretor do MME falta ao debate
O objetivo principal do evento era o de entender como as políticas públicas estão sendo orientadas no Brasil e quais os caminhos possíveis e as contribuições da indústria para a evolução do setor de biocombustíveis no país, mas a ausência repentina, sem prévio aviso, de Pietro Adamo Sampaio Mendes, diretor do Departamento de Biocombustíveis, parte da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, que havia confirmado participação, esvaziou a discussão.
Pietro Mendes foi nomeado pelo governo Bolsonaro ao cargo no MME em novembro do ano passado e até então era assessor da direção-geral da ANP. A ausência dele no debate foi criticada pelos organizadores. É mais uma prova de que esse desgoverno não tem mesmo propostas ou planejamento para o setor, assim como não tem como defender publicamente a privatização da Petrobrás Biocombustível.
Os outros debatedores: Henry Joseph, diretor técnico da ANFAVEA; Valéria Amoroso Lima, diretora executiva de Downstream do IBP; e Sandro Paes Barreto, gerente geral de Marketing da Petrobrás, também lamentaram a ausência de Pietro Mendes.
Discurso longe da prática
Nossa atenção neste evento esteve direcionada particularmente para a apresentação de Sandro Barreto. Ele gastou mais da metade de seus dez minutos de fala inicial no evento para fazer apologia à RenovaBio – programa de estímulo à produção de biocombustíveis que foi criado em 2017, mas só entrou em operação em abril de 2020 quando lançou os créditos de descarbonização(os chamados de CBios) como política de Estado para expandir a produção de biocombustíveis no Brasil. Hoje, é fato que existe profunda ausência de uma política pública para o setor.
Teoricamente, é verdade que a descrição da RenovaBio é perfeita ao afirmar que está baseada na previsibilidade, na sustentabilidade ambiental, econômica e social, agregando esses valores à uma expansão compatível com o crescimento do mercado nacional. O problema é colocar tudo isto em prática num desgoverno decadente e desalinhado com o meio ambiente e o futuro do Planeta.
Mais complicado ainda tentar entender um discurso afinado com valores futuros de carbono zero que ao mesmo tempo defende a venda da Petrobrás Biocombustível nesse momento em que o mundo inteiro vê a expansão quase que obrigatória desse setor.
Na live, Paes Barreto disse – como sabemos – que para a transição energética acontecer, será preciso trocar o combustível fóssil por biocombustível, “mas para isso acontecer no Brasil será importante o aproveitamento de toda a estrutura que já existe no país”. E aí, Paes Barreto exalta especialmente o papel das refinarias. Ele só não informa que, conforme planejado e divulgado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o parque de refino da Petrobrás está sendo precarizado e vendido.
Mesmo sabendo da importância de toda esta estrutura que a Petrobrás ainda possui para alavancar o futuro do setor de biocombustíveis no Brasil, Paes Barreto frisou que com o programa de desinvestimentos da Petrobrás, “vamos ter outros atores no país que vão olhar para esse mercado e vão tentar maximizar os hardwares que eles estão adquirindo, olhando o futuro daqui a 15, 20 anos, sabendo que o que estão adquirindo hoje terá uma longevidade de uso”. E afirmou ainda que ao se reduzir os custos de investimentos no processo de produção dos biocombustíveis, quem sairá ganhando será a sociedade. Será? Esse gerente acredita mesmo que o desmonte de toda a infraestrutura construída pela Petrobrás ao longo de décadas trará benefícios para o povo?
Durante o debate, o diretor do Sindipetro-RJ, Antony Devalle enviou importantes comentários para a reflexão: “a questão da cadeia da produção é muito importante. Os insumos dos biocombustíveis virem da pequena agricultura, sem competir com a produção de alimentação é parte disso. E isso é mais garantido numa empresa estatal. A privatização da Petrobrás Biocombustível (PBIO) dificulta uma lógica de biocombustíveis com base na pequena agricultura, sem concorrer com a produção de alimentos”.
Ignorando a privatização da PBIO, o apresentador da live, Felipe Maciel, da agência EPBR, perguntou ao gerente da Petrobrás como a empresa está se preparando e modernizando as unidades de refino para se posicionar para esse tipo de tecnologia?
Paes Barreto respondeu que a Petrobrás está olhando a descarbonização em todos os seus processos. Ele falou sobre o ciclo de vida dos produtos e do programa de biorrefino. Disse também que a Petrobrás enxerga o setor como uma grande oportunidade, que o Brasil tem muito a agregar ao mundo e ressaltou que “esse cenário todo está sendo observado pelo refino mundial”. E nada de contar sobre a privatização…
O gerente da Petrobrás afirmou ainda que “a Petrobrás tem tecnologia pronta” e chegou a citar testes feitos na REPAR, ressaltando que há processos que “nem toda refinaria pode fazer”, dando a entender que a Petrobrás detém hoje esta possibilidade.
“Essas refinarias (da Petrobrás) hoje no Brasil estão instaladas muito próximas a centros urbanos, então é viável pensar em economia circular que gere valor para a sociedade como a coleta do óleo de soja de cozinha utilizado fazendo, nesse caso, um pré-tratamento dessa matéria prima (…). Esse é o caminho que estamos perseguindo, precisando da decisão regulatória, para cada vez mais fazer os investimentos necessários (…). É fundamental ter uma carteira forte de investimentos, não só a Petrobrás, mas os refinadores que estão entrando… saber qual vai ser a demanda, pra onde a gente vai, como vão ser inseridos os biocombustíveis avançados”.
Não dá para entender esse discurso desalinhado com o que ocorre hoje na gestão bolsonarista na Petrobrás. De qual futuro estão falando quando estão dispensando a força que move tudo isto? Empregados altamente qualificados, concursados, estão sendo dispensados junto com a privatização da PBIO!
“A Petrobrás, que vai se manter na área de biocombustíveis mesmo se vender a PBIO, vai perder em termos de conhecimento e capacidade de trabalho se vender os trabalhadores junto”, afirmou Antony Devalle entre os registros gravados nos comentários dessa live.