E paga caro pelo direito de explorar o que já havia sido concedido a ela
Era para ser o auge da celebração das multinacionais e o certame mais marcante da história, porém o megaleilão do excedente da Cessão Onerosa, que aconteceu na manhã desta quarta (6) em um hotel da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, não teve o resultado esperado. Os bônus arrecadados chegaram somente a R$69,96 bi, cerca de 65% do valor esperado de R$ 106 bi. Para não perder a pose, o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, afirmou que: “Foi um sucesso, porque foi o maior já realizado e levantou o maior bônus já registrado num leilão dessa natureza. E, principalmente, porque foi capaz de destravar um conjunto de investimentos que vão permitir que a arrecadação e os benefícios dessa riqueza venham para a sociedade brasileira” – maquiando a frustração.
Quem arrematou
A Petrobrás (90%), associada às chinesas CNOOC (5%) e CNODC (5%), arrematou o campo de Búzios, com bônus de R$68,194 bi, ofertando um excedente de 23,24% para a União. Considerando sua participação no consórcio, a Petrobras pagará R$ 61,38 bilhões. No campo de Itapu, a companhia foi a ofertante única pagando um bônus de R$ 1,766 bi, com 18,15% excedente para a União. Não houve ágio nas duas ofertas que foram arrematados pelo preço mínimo. Os campos de Sépia e Atapu não receberam oferta. Das 14 empresas internacionais interessadas, somente sete compareceram. Sépia e Atapu possuem volumes recuperáveis totais que poderão virar reservas da ordem de até 2,7bilhões de boe e 2,3 bilhões de boe, respectivamente.
A Petrobrás é operadora da Cessão Onerosa nestas áreas e causa estranheza não ter feito a opção por ser operadora destas áreas, enquanto o fez para ser operadora nas áreas de Aram e Sudoeste de Sagitário, leiloadas na 6ª rodada da Partilha, onde ainda existe algum risco.
Em Sépia e Atapu estamos falando de campos que já estão sendo desenvolvidos! É sempre bom lembrar que em 2014 foi aprovada em reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a contratação direta da Petrobrás para produzir em regime de partilha de produção os volumes excedentes dos campos de Búzios, Florim (Itapu), Nordeste de Tupi (Sépia) e das áreas de Entorno de Iara (que originaram os campos de Norte de Berbigão, Sul de Berbigão, Norte de Sururu, Sul de Sururu e Atapu). Em suma, a Petrobrás pagou quase R$ 65 bi por direitos que já eram dela.
Penetra de ocasião
Quem apareceu posando para fotos e entrevistas foi o senador Flávio Bolsonaro, que apesar de estar sob investigação por conta do caso “Queiroz”, foi saudado por Oddone e pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, como um dos grandes articuladores do megaleilão entreguista.
Qual o real interesse do senador nestes leilões? Diante da atual conjuntura política nada favorável ao pai presidente, cabe dizer que o sucesso do megaleilão tão esperado por Paulo Guedes e Bolsonaro seria visto como uma grande conquista política do governo.
Truculência da segurança
Uma representação de petroleiros foi impedida de ficar no hall do hotel pela PMRJ, cujo comandante recebia ordens de um cidadão estrangeiro que não portava qualquer identificação, mas que, segundo informações, seria responsável pela segurança do hotel. Um homem com credencial da ANP, dizendo-se policial militar, chegou a ameaçar de prisão o petroleiro aposentado Silvio Sinedino, que tentava se credenciar.
6ª Rodada de Partilha
Nesta quinta-feira (7), acontece, pela manhã, no mesmo hotel, a 6ª Rodada da Partilha de Produção – Pré-Sal que vai ofertar as áreas de Aram, Bumerangue, Cruzeiro do Sul, Sudoeste de Sagitário e Norte de Brava. Há 17 empresas habilitadas a participar do certame. As áreas ofertadas totalizam R$ 7,85 bilhões a serem pagos em bônus de assinatura pelos respectivos vencedores.
Perigo disfarçado
Teoricamente o resultado de hoje seria uma vitória da Petrobrás, porém, além do fato de pagar pelo que já era dela, temos um agravante que não pode passar no esquecimento: o instrumento denominado Acordo de Coparticipação.
Criou-se do nada (sem análogo na indústria do petróleo mundial, sem discussão no Congresso, sem lei específica), em Resolução CNPE nº2 e portaria do Ministério de Minas e Energia nº265, o tal Acordo de Coparticipação, o qual será submetido à ANP em até 18 meses a partir de 31 de março de 2020. Após a submissão, a ANP tem prazo de 2 meses, prorrogáveis por mais dois meses, para concordar ou não com a proposta de acordo. Apenas após a assinatura deste acordo é que a Petrobrás irá receber de cada multinacional a compensação pelos investimentos realizados nas áreas até então.
Por causa deste “acordo”, a configuração atual do consórcio com as empresas chinesas pode mudar: CNODC e CNOOC poderão elevar para 10% cada uma a fatia de 5% adquirida hoje ou decidir sair totalmente do empreendimento. De acordo com a Petrobras em nota a um veículo de imprensa, “o acordo de coparticipação deverá ser finalizado até setembro de 2021, sendo que, até esta data, as parceiras da Petrobras no consórcio têm o direito de adquirir mais 5% de participação cada ou, na data limite, caso o acordo não tenha sido assinado com a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), de deixar o consórcio”.
Uma vez que as áreas do excedente leiloadas não têm mais risco exploratório, a Petrobrás deverá ser compensada pelos investimentos realizados nos campos (perfuração de poços, infraestrutura, unidades definitivas de produção, etc) até a data efetiva do Acordo de Coparticipação. O valor das indenizações que teriam de ser feitas à Petrobrás foi apontado por veículos de comunicação como a principal razão para que empresas estrangeiras desistissem de fazer ofertas, segundo executivos e advogados presentes no leilão.
Certamente o governo criará saídas para que tais campos não arrematados sejam leiloados de forma “conveniente”.O fato é que se qualquer multinacional fosse contratada pela União, na reunião do CNPE de 2014, para produzir o volume do excedente da Cessão Onerosa, este leilão não teria acontecido. Enquanto isso, prefeitos e governadores, de situação e oposição, apenas desejam sua parte no bolão destes vergonhosos crimes de lesa pátria que ocorrem rotineiramente neste país.