Em participação no podcast “Lado B”, apresentado Por Fernanda Castro, que vai ao na Central 3, o diretor do Sindipetro-RJ, Antony Devalle falou sobre como a privatização da Petrobrás impacta na saúde e segurança dos trabalhadores
Devalle explicou como o processo de desmonte e privatização da companhia tem precarizado cada vez mais as condições de trabalho dos empregados próprios e terceirizados do sistema Petrobrás. A entrevista foi ao ar no último dia 23 de março.
Empresa só releva números, e não vidas
Lado B: O avanço da privatização na Petrobrás tem acelerado o processo de precarização das condições de trabalho, o que afeta diretamente a segurança e a saúde dos trabalhadores. Para entender os impactos da privatização e a luta dos petroleiros por melhores condições de trabalho, conversamos com o Antony Devalle, petroleiro e integrante do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, o Sindipetro-RJ. No último mês de fevereiro aconteceu mais um acidente que causou a morte de mais um trabalhador nas instalações da Petrobrás. Como descrever esse cenário de acidentes e mortes no sistema Petrobrás?
Antony: O acidente mais recente envolveu a morte do trabalhador terceirizado José Arnaldo de Amorim, na Refinaria Duque de Caxias (REDUC). É importante dizer o nome porque se para empresa acontecimentos como esse representam apenas números, para nós (Sindicato) são vidas. O que tem causado isso?
No entendimento do Sindipetro-RJ é um descaso por parte da alta hierarquia, e em cascata, muitas vezes, das hierarquias intermediárias, da empresa, em um contexto em que o lucro vale mais do que a vida. E nesse contexto, o momento pelo qual estamos passando de aprofundamento acelerado da privatização do sistema Petrobrás, acentua essa lógica. Não que essa mesma lógica não existisse em algum grau, antes. Já tivemos acidentes graves ao longo da história da Petrobrás, mas o momento privatista, que vivemos hoje, tem realmente acentuado muito essa lógica de precarização das relações de trabalho.
Nesse sentido tem alguns aspectos a serem destacados: o primeiro é questão de investimento mesmo. Podemos de dizer, de certa maneira, que a empresa não faz o investimento necessário, parecendo que existe uma certa “contabilidade” na cabeça desses altos executivos: “o que custa mais para a empresa, é fazer os investimentos em prevenção ou é arcar com eventuais indenizações posteriores?” Até por que, em geral, a empresa reluta, judicialmente, fazendo questão de agir desta forma, preferindo sempre esse caminho da contestação, via Judiciário. Até que se consiga uma decisão favorável para o trabalhador, se perde esse tempo com a burocracia o que parece ser uma tática proposital da empresa para obter vantagem.
Outro aspecto a ser colocado é o desmando. Temos as comissões internas de prevenção de acidentes, na empresa, as CIPAs. Em muitas CIPAs são colocadas questões de melhorias, de problemas estruturais ou de problemas de organização do trabalho, e parece que a empresa, via de regra, salvo raras exceções, age de pró-forma por conta da legislação. Mas com uma lógica de não relevar o que é feito nessas comissões, sempre impondo o que determina a alta hierarquia da empresa. Então, todos esses fatores acarretam mais riscos de acidentes. Não esquecendo outro aspecto que é o da terceirização desenfreada. Explicando: nas empresas terceirizadas que prestam serviços para a Petrobrás, não existe o mesmo treinamento que tem na Petrobrás, tanto que temos uma incidência maior de acidentes e acidentes fatais entre os terceirizados, do que entre os próprios. Ainda, outro, para finalizarmos essa parte, e que se soma, está relacionado diretamente com a privatização que é a redução de pessoal que tem sido drástica na empresa. Desde 2014/15, a alta hierarquia cria um déficit de pessoal, e concretamente o trabalho só aumenta. As pessoas (trabalhadores) estão sobrecarregadas, psicologicamente, pelo excesso de trabalho e de excesso de cobrança, que se tem hoje, criando uma falsa meritocracia que está demitindo pessoas, por justa causa, por suposto mau desempenho. Então, a pessoa fica a todo o momento, naquela: “vou não vou, faço, não faço”. E aí poderíamos pensar que numa situação dessas se poderiam redobrar os cuidados. Mas por outro lado se tem uma pressão gerencial imensa para produzir de qualquer modo, em detrimento do modo seguro e do planejamento que requer cuidado e tempo para execução, sendo, obviamente, mais lento. Porém, a hierarquia entende que “a toque de caixa”, as coisas andam.
Desmonte e privatizações: o desgaste da saúde mental do petroleiro
Lado B: Você pode aprofundar mais sobre os impactos da privatização da Petrobrás na vida dos seus trabalhadores?
Antony: Hoje, o clima dentro da empresa é péssimo. Você conversa com petroleiros de diversas origens, de diversas mentalidades, e grande parte dos petroleiros vai dizer que está muito ruim trabalhar na empresa. Tem pessoas que dizem: “já adorei trabalhar aqui, mas hoje em dia está péssimo!” Mas você tem uma pequena parcela que está feliz da vida porque galgou posições e tem rios de dinheiro, inclusive privatizando, porque a empresa coloca em suas metas financeiras, a serem alcançadas, o bônus (premiação) por ativo vendido na privatização, o que deveria ser segregado, em minha opinião. Então você privatiza um ativo da empresa, e obviamente vai ter uma entrada de dinheiro, e isso acaba entrando no bolo que é considerado o resultado financeiro. E quando você tem metas atreladas a isso, para gerar o bônus, tem gente que adora no caso os chefões, ao contrário da maioria dos trabalhadores petroleiros que está sofrendo muito.
Eu quero ressaltar que oscilam entre a primeira e a segunda causa de afastamento de trabalhadores no sistema Petrobrás, onde existem riscos diversos como indústria pesada, com manipulação de produtos químicos, quedas e tantas causas que podemos citar, têm sido questões relacionadas à saúde mental. Daí você observa como esse processo de privatização está afetando negativamente os trabalhadores.
Foi criado esse sistema de suposta meritocracia que acirrou de forma acentuada a competição entre os trabalhadores, substituindo uma lógica, não que antes não houvesse competição entre eles, de colaboração do que hoje. Em que em última instância vai prejudicar a própria empresa, mas que hoje prejudica em demasia a saúde mental dos trabalhadores. E a saúde mental também reflete na saúde física.
O medo do desemprego, literalmente afeta. Aí observamos o país com um subemprego imenso, chegando a serem constados alguns suicídios, como aconteceu na Bahia, na RLAM (Refinaria Mataripe), que foi privatizada recentemente. Existe em alguns casos que conseguimos estabelecer um nexo causal, o que a gestão da empresa não aceita, e em outros é clara a necessidade de uma investigação mais aprofundada. Mas é nítido que existem impactos do processo de privatização na saúde mental dos trabalhadores, e na questão dos acidentes. Toda essa precarização que acontece com a privatização afeta a redução do efetivo (pessoal), o que é algo crucial, pois, a todo o momento ocorrem acidentes que por muitas vezes são negligenciados, não relevando os relatórios da CIPAs.
Cito exemplos, como ocorreu em 2015, na Usina Termoelétrica Barbosa Lima Sobrinho, (UTE –BLS/BF), em Seropédica-RJ, tivemos a morte de um operador,Rodrigo Antonio, que teve mais de 70% do seu corpo queimado em uma caldeira. A CIPA local já tinha alertado para problemas relacionados a questões estruturais na unidade, o Sindicato também já tinha emitido alertas, e nada tinha sido feito, e aconteceu o trágico acidente. Em 2016, também na REDUC, outro trabalhador , Luiz Antonio Cabral de Morais morreu cozido dentro de um tanque de asfaltado. Ao fazer uma inspeção o teto cedeu e ele caiu, sendo cozinhado dentro tanque. Somente no dia seguinte o seu corpo foi encontrado, sendo necessário esvaziar o tanque, com o seu caso também indo parar no Judiciário. Isso mostra como é o tratamento dado aos trabalhadores nesse contexto de privatização na Petrobrás.
Terceirizados são os mais afetados, a pandemia da COVID-19 mostrou isso
Lado B: Acredito que a pandemia também contribui em muito com essa situação. Mas a maioria dessas mortes e acidentes ocorre entre os terceirizados, como está a situação desses trabalhadores e como é que a categoria dos petroleiros tem atuado ao lado desses trabalhadores?
Antony: É importante você ter lembrado que durante o período da pandemia na Petrobrás ocorreram muitas mortes de trabalhadores da Petrobrás e de terceirizados por COVID-19. O Sindicato também teve que buscar no Judiciário algumas medidas, mas mesmo assim foi insuficiente. A Petrobrás não informa até hoje o número exato de mortes, mesmo que tenhamos conseguido judicialmente que a empresa disponibilizasse dados sobre a situação, mas ela não diz quantos trabalhadores morreram no período, dando ênfase nos curados. Neste relatório, ela só cita os trabalhadores próprios, relegando os terceirizados. Só temos acesso a informações sobre mortes de terceirizados a partir de informações extraoficiais, passadas por esses trabalhadores, configurando uma subnotificação. Certamente, existe uma quantidade maior de notificações não declaradas do que sabemos oficialmente.
O fato é que uma imensa parte da pirâmide dos terceirizados é tratada na Petrobrás como literalmente como “lixo”, desculpe o termo, mas infelizmente essa é a realidade. Você nesse grupo tem profissionais de limpeza, parte do pessoal da vigilância, entre outros invisibilizados. E você tem o “topo” que tem uma pequena parcela de privilegiados, que geralmente são pessoas que entram pela “janela”, amigos do “rei e da rainha” que ganham rios de dinheiro, e tem também o que chamo de uma “classe média” dos terceirizados que, apesar dos prós e contras, também sofre uma relação de trabalho precarizada, em relação ao empregado próprio, que também é precarizado ao longo do tempo.
Juridicamente, o Sindipetro-RJ não representa os trabalhadores terceirizados da Petrobrás, mas nós sempre atuamos politicamente. Buscamos os respectivos sindicatos para informar sobre situações que nos chegam, buscando atuar de forma conjunta.
O que fazemos, por exemplo, nas CIPAs, também nos acordos coletivos de trabalho (ACTs), é regulamentar da melhor forma possível; fazer valer a normas regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho e Emprego; fazer valer os procedimentos internos da Petrobrás, para que isso valha para todo mundo, e que seja cobrado das empresas terceirizadas. Então nós atuamos sempre em favor dos terceirizados. Sabemos que é um trabalho aquém dos problemas gigantescos que existem com eles, sendo o maior contingente de trabalhadores dentro da Petrobrás. É um trabalho de “enxugar gelo”, nós (Sindicato) precisaríamos no atual contexto, para fazer frente ao atual cenário, uma mobilização de toda a categoria mais significativa.
Recentemente, no Terminal Aquaviário Baía da Guanabara (TABG), houve uma greve de terceirizados. Justamente, um dos pontos que eles buscavam, eram melhores condições de trabalho, que envolvia, principalmente, segurança do trabalho. Então estamos ainda, nesta questão dos terceirizados, na linha de “enxugar gelo”.
Defender a Petrobrás é uma luta do povo trabalhador brasileiro
Lado B: Como vocês (Sindicato) têm se organizado para dar cabo de todas essas questões?
Antony: Nós temos duas grandes frentes: uma frente sindical que atua de forma política e social, e uma frente jurídica. Nós sempre ressaltamos que no Judiciário você pode obter conquistas pontuais, até importantes, mas o Judiciário está do outro lado, no final das contas. O Judiciário não é uma ferramenta neutra, como nada é neutro, agora o que temos que confiar é na mobilização dos trabalhadores. Tampouco é um governo outro, claro que há diferenças entre os governos, não se pode igualar tudo, mas esses problemas que estamos relatando podem ter sido sim acentuados, mas eles não deixavam de existir em governos anteriores, e já vinham sendo aprofundados.
Então, nós atuamos nas CIPAs; na negociação de ACT, que em realidade é uma tentativa de negociação, pois a empresa, cada vez mais, se fecha para qualquer tipo de negociação. Inclusive, é por isso que tem crescido o número de ações judiciais, porque se você encontra do outro lado da mesa alguém que não quer negociar tem duas soluções: ou você faz uma grande mobilização ou passa pelo Judiciário. Ou faz os dois, participamos de uma greve nacional, em 2020, pouco antes do início da pandemia, com uma greve muito importante, mas ainda insuficiente.
É preciso que se tenha o entendimento de que a Petrobrás é central para o Brasil. Para onde for a Petrobrás, vai o Brasil. Então esse exemplo da Petrobrás é um exemplo de quanto é nociva a privatização para o povão. Aumenta combustível, através da política de preços, o Preço de Paridade de Importação (PPI), causando inflação e aumento dos preços dos alimentos, ficando difícil para o povo comer. Não é um fantasma que vai aparecer lá na frente, a privatização da Petrobrás está em curso e é uma realidade. Tentamos lutar contra isso, mas não é uma luta fácil. Porque os interesses que estão sendo colocados com a questão da privatização são imensos. São interesses transnacionais. Daí nossa estratégia de fundo é a mobilização dos trabalhadores, e buscando, inclusive, este programa aqui, que é um espaço de diálogo com a sociedade brasileira e os seus mais diversos setores, especialmente os mais populares para falar o seguinte: “Olha essa questão aqui, da luta contra a privatização, não é uma luta corporativa dos petroleiros apenas. É uma luta do povo trabalhador brasileiro”.
A luta para manter a Petrobrás e para ela ser “desprivatizada” é uma luta do conjunto do povo trabalhador brasileiro.
Ouça a entrevista na íntegra