Faixa Livre: venda da SIX e a compra de terminal no Porto de Santos, os negócios “estranhos” dos ativos da Petrobrás

Diretor do Sindipetro-RJ/FNP analisa processo de privatização da Petrobrás e a política de preços dos combustíveis no Brasil

No dia 22 de novembro, o diretor do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) e secretário de Comunicação da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), Bruno Dantas, em entrevista ao programa “Faixa Livre” que vai ao ar nas manhãs da Rádio Bandeirantes AM-360, do Rio de Janeiro, atacou o discurso falacioso do presidente Jair Bolsonaro de que não pode interferir na política de preços adotada pela Petrobrás, destacando que a venda de ativos da estatal é um ‘absurdo’ do ponto de vista econômico para o país. Dantas, ainda, analisou a compra, pela Petrobrás, de terminal do Porto de Santos e a descoberta de hidrocarbonetos, que dão origem ao petróleo, no Pré-sal da Bacia de Santos.

Confira a versão em texto da entrevista concedida ao apresentador Anderson Gomes:

Terminal do Porto de Santos, um negócio bem estranho

Faixa Livre – A Petrobrás arrematou um terminal no Porto de Santos por R$ 558 milhões , considerado pelo Governo Federal como o maior leilão portuário dos últimos 20 anos. Esse terminal é destinado para movimentação, armazenagem e distribuição de combustíveis e tem uma previsão de investimentos da ordem de R$ 680 milhões, durante o período de concessão que é de 25 anos. Na análise do Sindipetro-RJ/FNP, a aquisição deste terminal representa o que para a Petrobrás e para o país?

Bruno Dantas – É importante ressaltar que esse terminal é operado pela Transpetro , subsidiária da Petrobrás, sendo importante dizer que a Transpetro é um desmembramento da Petrobrás. Então esse leilão desse terminal nos chama atenção porque temos que fazer uma análise dentro de um contexto. Vivemos um contexto em que o Governo Federal, que é acionista majoritário da Petrobrás, tem dado inúmeras entrevistas dizendo que vai privatizar a Petrobrás, colocando esse debate na sociedade. E aí causa estranheza que um leilão desse tamanho tenha uma única participação, exclusiva, da Petrobrás.

O dinheiro desta transação, sendo repassado em um leilão de oferta única por conta da localização do terminal e da proximidade da área do Pré-Sal e de refinarias do estado de São Paulo, mostra que há intenção da Petrobrás em fazer um grande investimento que precede um movimento de privatização. Então isso nos preocupa do ponto de vista dos trabalhadores, por isso temos aproveitados espaços de veículos de comunicação para fazer essa denúncia. Como é que a Petrobrás para usar um terminal onde ela já faz uso há muito tempo, com uma série de investimentos, através de sua subsidiária, a Transpetro, e agora diante dos preços caros dos combustíveis faz esse tipo investimento, que pode impactar nos consumidores.

Uma mão lava a outra: a venda da SIX

Faixa Livre – Toda essa transação é muito suspeita, mas ainda causa mais estranheza essa notícia da venda da Unidade de Industrialização de Xisto, a SIX, no estado do Paraná, para uma empresa do Canadá que opera aqui no Brasil áreas de garimpo em terras indígenas. A refinaria foi vendida por pouco mais de R$ 178 milhões, mas a previsão de pagamento de royalties a SIX é de R$ 540 milhões, ou seja os canadenses já vão faturar cerca de R$ 361 milhões. O que representa a entrega de mais um ativo?

Bruno Dantas – Vale a pena explicar para o ouvinte o que é a SIX e o xisto. Existe um ditado que faz uma referência ao grau de dificuldade para se obter alguma coisa: “tirei leite de pedra”. E é exatamente isso que a Petrobrás fez ao aprender sozinha a tirar petróleo de pedra, no caso o xisto. O minério é uma rocha cristalina que possui o xisto betuminoso. E a Petrobrás faz um processo de mineração que para retirar um óleo mais pesado, mais grosso, mas que tem uma importância na combinação com outros tipos de petróleo na refinaria do Paraná, agregando valor ao produto da Petrobrás.

A Unidade de Industrialização do Xisto, em São Mateus-PR, é muito importante no desenvolvimento tecnológico para o país. Os trabalhadores da Petrobrás desenvolveram formas de extrair esse produto, e a primeira coisa que eu queria chamar atenção, e é por isso que essa empresa canadense que comprou a SIX, não apenas uma questão de mercado, há o interesse na aquisição desta tecnologia.

Aqui no Brasil se privatiza o lucro e se estatiza o prejuízo. Todos os processos de privatização que ocorreram no país foram marcados pela aquisição de todos ativos por determinada empresa, um exemplo disso é a Vale do Rio Doce. Não se privatizou somente a empresa, mas todo minério que estava no subsolo brasileiro, que não entrou na conta da privatização. Agora, a privatização da SIX, com a questão do xisto, é exatamente isso. Se privatiza o ativo, com esse preço que foi determinado R$ 178 milhões, e o passivo não. Esse mesmo passivo fica com a Petrobrás, e é evidente que essa situação é escandalosa, não há nenhuma explicação sequer do ponto de vista econômico. Se isso fosse a venda de uma empresa privada para outra, esse negócio não existira.

Esse processo envolve uma empresa estatal, um ativo que é propriedade do povo brasileiro, aí é um escândalo maior, pois envolve os interesses de toda a população do país. Então, a conta é muito simples: se vende uma empresa por R$ 178 milhões, entrando no caixa, mas fica o compromisso de se pagar R$ 540 milhões a quem comprou, uma venda totalmente deficitária, sem sentido nenhum.

Segundo a conselheira eleita dos trabalhadores, no CA da Petrobrás, Rosangela Buzanelli, a Unidade de Industrialização de Xisto (SIX) é uma empresa altamente lucrativa, com desenvolvimento tecnológico, com um parque muito importante, sendo o maior da América Latina, e que por esses resultados de desempenho, por si só mostra que não tem nada que justifique a venda dessa empresa. Na verdade, o que está sendo colocado é um jogo de xadrez em que cada movimentação das peças significa um avanço da entrega do que resta ainda de soberania, em termos de refino nacional controlado pela Petrobrás.

Quando deveria haver a possibilidade da parte da sociedade um controle social em relação aos governos de plantão que estejam na administração das empresas estatais, o que há é o contrário disso que é entregar tudo para o mercado em negociações absurdas, demonstrando que o governo não tem nenhum pudor em entregar o país ao capital privado ,principalmente, o internacional que opera em bolsa de valores.

BTG Pactual e maracutaias das arábias

Faixa Livre – O Bolsonaro aprofunda esse processo de entrega da Petrobrás, recentemente ele esteve com os árabes em sua última viagem ao Oriente Médio, tentando negociar a privatização completa da Petrobrás. O principal interessado nisso seria o fundo soberano Mubadala de Abu Dhabi, que recentemente assinou contrato e compra da Refinaria Landulpho Alves (RLAM) na Bahia. Já o Mansueto Almeida, ex-secretário de Tesouro, e atualmente economista-chefe do Banco BTG Pactual, banco fundado pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que “é preciso ter mais um pouco de calma que vamos conseguir privatizar a Petrobrás”. Está claro que há um conluio entre o Governo Federal e o capital hegemônico para entregar de vez a nossa principal estatal. Como o Sindipetro-RJ observa esses movimento do Bolsonaro de privatizar a Petrobrás?

Bruno Dantas – A sua pergunta mostra bem como funciona as maracutaias para a privatização da Petrobrás. Eu queria pontuar que a política de preços da empresa e toda a política de controle de seus ativos é determinada pelo Conselho de Administração (CA), sendo indicada pelo Governo Federal. Daí, essa questão de que Bolsonaro falou que a Petrobrás é “uma dor de cabeça” de que não pode interferir na empresa é uma grande mentira.

O Governo Federal indica mais da metade dos integrantes do CA, portanto toda a política de preços de combustíveis, toda política de venda de refinarias, toda negociação ou negociatas que envolvem interesse escusos entre os interesses privados e os interesses públicos, é de responsabilidade do governo Bolsonaro. Como você disse sobre o Mansueto que até pouco tempo integrava o Governo Federal, e hoje está no Banco BTG Pactual.

Então esse imiscuir do Mansueto sobre a política de governo demonstra, claramente, que a intenção do projeto do governo Bolsonaro é criar um ambiente de rápida privatização, entregando tudo para os seus parceiros empresariais, seja no Brasil ou no exterior, com Paulo Guedes sendo o grande representante disso, com um pé nos EUA e na bolsa de Nova York, tendo suas offshores em paraísos fiscais para fugir do fisco brasileiro, ao contrário da maioria daqui. E aí, neste cenário, que Bolsonaro vai para Dubai para negociar com o fundo soberano para criar oportunidades de entrega de patrimônio do Brasil. Já entregou a RLAM fazendo um negócio, como disse o sindicato petroleiro da Bahia, que não justifica os valores do ponto de vista comercial.

O que fica claro que para essa gestão da Petrobrás e para o governo Bolsonaro não importa os aspectos econômicos e financeiros desses negócios. O que vai acontecer é que do ponto de vista da soberania energética do país vamos ficar dependentes do cartel internacional do petróleo formado por seis grandes empresas, que utilizam países como escudos e que dominam a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), determinando nos mercados internacionais o preço do petróleo, que hoje custa o barril, aproximadamente, US$ 80.

É claro que se privatizamos as nossas refinarias para as empresas internacionais que pertencem a esse cartel, vamos ter sobrepreços dos combustíveis com um ambiente de preços correlacionado pelos preços internacionais. O que temos hoje em operação é um processo de adaptação para o mercado consumidor para que se acostume a pagar esses preços escorchantes. Quando a Petrobrás vende sua refinaria na Bahia, esse será o modelo de preço a ser cobrado no Nordeste. Assim, os representantes do cartel internacional já vão encontrar um mercado adaptado aos seus interesses e lucros. Não vão encontrar um consumidor que tenha expectativa de queda de preços.

A dolarização do preço do GN

Em relação ao gás natural (GN), tem sido dito na imprensa que empresários da indústria estão preocupados com a possibilidade do preço do GN da Petrobrás triplicar em 2022. E aí quando se ouve que a Petrobrás tem a dizer, em relação a isso, a direção da Petrobrás argumenta que o objetivo é a criação de novos parâmetros para a precificação do GN para reduzir a volatilidade dos preços e dar uma previsibilidade para o mercado interno. Mas como é possível reduzir a volatilidade triplicando os preços, com esse tipo de proposta? Aí você olha para o mercado internacional e verifica que o preço do GN, coincidentemente, triplicou no mesmo período. O GNL na bolsa de valores é precificado a partir de uma unidade chamada milhão de BTU. No início de 2021, o milhão de BTU custava US$ 2,40 no mercado internacional. No final do último mês de outubro já estava cotado a US$ 6,20, ou seja, triplicou. Então você percebe que essa política de redução de volatilidade, de previsibilidade e triplicação do preço do GN está totalmente antenada e vinculada com a variação do preço internacional. E no final, a Petrobrás assume isso, dizendo que objetivo real dessa política é conectar os preços de gás natural.

Hoje, a Petrobrás é responsável por 60% do GN consumido no Brasil, com 40% sendo produzido importado com esse preço do exterior. Então, não é a instituição Petrobrás, e sim seu Conselho de Administração, indicado pelo governo do Bolsonaro que determinou que essa política de aumento de GN se consolide e torne realidade essa ameaça de triplicar os preços em 2022.

Mais uma descoberta no Pré-Sal e a hora de reverter o entreguismo

Faixa Livre – Recentemente, a Petrobrás anunciou a presença de hidrocarbonetos (petróleo e gás) em uma área da Bacia de Santos, área do Pré-Sal, em um poço pioneiro do bloco Aram. Segundo a empresa esse poço está localizado a 240 km da cidade de Santos-SP, a uma profundidade de 1.905 metros. O que essa descoberta pode representar para o Brasil?

Bruno Dantas – A descoberta do bloco de Aram fortalece e consolida o Pré-Sal como responsável, e poderá ser ainda mais, pelo futuro de soberania e independência energética do país, isso se esses recursos ficarem para o povo brasileiro através de uma Petrobrás estatal. Em 1997 foi quebrado o monopólio da Petrobrás como empresa única na extração de petróleo. Com isso, outros agentes privados, brasileiros e estrangeiros, puderam vir na operação, exploração e produção e refino, legalmente essa oportunidade foi dada, mas pouquíssimas empresas vieram aqui colocar o seu dinheiro em investimentos no Brasil. Agora, a partir da descoberta do Pré-Sal, na primeira década dos anos 2000, o mundo começou a olhar para o país, e querer que além de ter essa oportunidade do fim do monopólio estatal do petróleo, sob o domínio total da União, querer também os ativos das descobertas por viu que o volume de reservas brasileiras cresce exponencialmente a cada ano. Sabemos que a possibilidade do Brasil ser hoje um quinto, quarto, e talvez, até um terceiro grande detentor de reservas de petróleo do mundo é muito grande. E descobertas como essa vão consolidar esse cenário.

Todo esse esforço que tem sido feito com a descoberta do Pré-Sal, com os recursos que têm sido gerados, deveriam ser reinvestidos no país para a construção de novas refinarias, para abertura de novos canteiros de obras, para poder fazer com que o Brasil, cada vez mais, se desconectasse desse cartel internacional do petróleo. Isso só é possível se essas políticas feitas no sentido contrário, de favorecer os interesses privados dos cartéis fossem revistas. A começar pela revogação do fim do monopólio da União, que ela seja o único ente que tenha o direito de explorar e produzir petróleo no país, que a Petrobrás inverta esse processo de privatização, do ponto de vista das ações, pois hoje mais de 40% das ações da empresa estão em mãos de agentes privados, sendo que grande parte está nas mãos de fundos de investimentos estadunidenses, que fazem apenas com que a Petrobrás identifique-se apenas pela busca por lucros, o que resulta nesta política de preços exorbitantes.

Então reverter isso para voltar a ser 100% estatal, e por fim, rever vários desses leilões de petróleo que a ANP e o Governo Federal tem feito com que a Petrobrás tenha menos oportunidades de descobrir novos campos, e até aumentar as nossas reservas, e consequentemente, aumentar a produção de derivados, diminuindo a dependência de derivados, assim logo o preço vai cair no Brasil. Porque se hoje o petróleo custa US$ 80, no mercado internacional, e a Petrobrás tenta atrelar o preço do combustível a esse do mercado exterior, cabe informar que o custo de produção do petróleo é de aproximadamente de US$ 10, ou seja, oito vezes menos. Esse preço que se paga na bomba de combustível do posto de gasolina é totalmente irreal, A Petrobrás, através do Governo Federal, com seus representantes no CA, poderia através de uma canetada reduzir sim o preço dos combustíveis e do gás de cozinha, pelo menos para a metade do preço que pagamos hoje.

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