Leonardo Lacerda é Técnico de Operação no CENPES
Na determinação de que o trabalhador se relaciona com produto do seu trabalho como [com] um objeto estranho estão todas estas consequências. Com efeito, segundo este pressuposto está claro: quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando, tanto mais poderoso se torna o mundo objetivo, alheio que ele cria diante de si, tanto mais pobre se torna ele mesmo, seu mundo interior, [e] tanto menos o trabalhador pertence a si próprio.[1]
[1]. MARX, Karl. Trabalho estranhado e propriedade privada. In: Manuscritos econômicos e filosóficos. Tradução: Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2010, pg. 80.
Efetivação (Verwirklichung) é, grosso modo, a possibilidade, através do trabalho, de realização de si, de expressão de si tendo o trabalho como médium, meio para realização do que Marx chamou de ser genérico ou genericidade (Gattungwesen) do trabalhador. No entanto, tal trabalho que para Marx é trans-histórico, ou seja, é próprio da condição humana, na modernidade, quando é apropriado pelo capitalismo, estabelece as condições para o que Marx chamou de desefetivação: o trabalho se torna unicamente meio para supressão das carências mais imediatas resultando da desumanização do homem. Desefetivação pode ser pensada, portanto, como processo de desumanização do trabalhador, precarização de sua vida, o que é tanto maior quanto mais precarizadas as condições de trabalho/salário e quanto mais os trabalhadores e trabalhadoras tem seu tempo apropriado pelo trabalho. Trabalho e folga, são, portanto, variáveis fundamentais no modo de produção capitalista, que vão definir, no modo como se articulam, a qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras. Portanto, quanto maior o tempo de trabalho ou quanto mais a organização desse tempo compromete a folga, mais a vida pessoal dos trabalhadores e trabalhadoras fica precarizada.
Assim, quanto mais tempo os trabalhadores e trabalhadoras ficam submetidos aos seus trabalhos, quanto mais direitos os trabalhadores perdem, quanto mais os frutos do seu trabalho o lançam a uma condição de seres que vivem unicamente para dar conta das suas questões fisiológicas mais imediatas, mais esses trabalhadores e trabalhadoras se estranham a si e aos outros, ou seja, compromete-se seus laços sociais, seus vínculos comunitários fazendo com que esses trabalhadores se isolem e fragilizem sua luta. Lutas que hoje são não por ampliação de direitos, mas por garanti-los, não os perder. É isso que Marx, chama de estranhamento (Entfremdung).
Desefetivação e estranhamento são, portanto, um binômio importante para entender, por exemplo, uma série de fenômenos no universo do trabalho na contemporaneidade. Concretamente, essas duas categorias que Marx apresentou em 1844, no seu texto Manuscritos econômico-filosóficos, servem como chave para pensarmos muitos aspectos negativos do trabalho hoje. Os padecimentos contemporâneos como síndrome de Burnout, fadiga, transtornos de sono, etc., muito comum em trabalhadores de turno, se não são elimináveis do mundo do trabalho, podem ser atenuados, ou com redução de jornada ou com modificações nas escalas que permitam um equilíbrio nessa relação Trabalho-Folga.
Atualmente os trabalhadores e trabalhadoras do CENPES estão em uma escala de 8 horas. Alguns desses trabalhadores e trabalhadoras pleiteiam a escala de 12 horas por acreditarem que nessa escala suas vidas ficarão mais equilibradas. Ou seja, passarão mais tempo com suas filhas (os), família, amigos; terão regularidade e previsibilidade na escala, permitindo que se programem melhor para ir a médicos, à dentistas, dedicarem-se às atividades domésticas, religiosas, acadêmicas; terão certamente um descanso de maior qualidade e, obviamente, estarão menos sujeitos aos padecimentos do corpo como transtornos do sono, envelhecimento precoce etc.. Ou seja, conseguiremos estabelecer condições melhores para nos efetivarmos, envelhecermos com mais qualidade, dormirmos melhor, termos vida social sem precisarmos realizar essas custosas trocas que a maioria de nós realiza.
Façamos um comparativo entre as escalas de 8 Horas e 12 Horas só considerando o tempo que ficamos no transito (portanto sujeito a todos os perigos que fazem parte do trajeto; tanto acidentes quanto assaltos):
Vamos ver abaixo que na escala de 8 horas, em um ano, ficamos 17 dias só no trânsito (Portanto mais sujeitos aos estresses do trânsito, incidentes, acidentes e assaltos — Infelizmente uma realidade nossa — por exemplo).
Para efeitos de cálculo consideramos o tempo de trajeto 1 hora.
Escala de 8 horas 1 Ciclo (35 DIAS / 168 horas de trabalho)
Trabalho de 21 dias Folga de 14 dias
Tempo médio no Trânsito 1h por trajeto
Em 21 dias de Trabalho = 21 x 2horas (ida +Volta)
Total de horas no Trânsito = 42 horas
168 THM +42 (Trânsito) = 210 horas Disponível para o Trabalho!
42 horas (Trânsito) /168(THM) = 25% (Ou seja, 25% do tempo por ciclo é perdido no trânsito!)
Total de horas no Trânsito = 42 horas/8. As 42 horas perdidas no trajeto correspondem a 5,25 dias por ciclo
= 5,25 dias de trabalho a mais, trabalhados indiretamente, no trânsito.
Ou seja, na verdade, em um ciclo de 35 dias, TRABALHAMOS 26,25 DIAS! (21+5,25)
Em 1 ano (corresponde ~ 10 Ciclos de 35 dias):
21(Dias trabalhados por ciclo)*10 + 5,25(dias trabalhados indiretamente no transporte)*10 =
262,5 dias trabalhados!!
Vejamos abaixo o mesmo cálculo para escala de 12 horas
Escala de 12 horas 1 Ciclo (35 DIAS / 168 horas de trabalho)
Trabalho de 14 dias Folga de 21 dias
Trânsito em média de 1h por trajeto
Em 14 dias de Trabalho = 14 x 2 horas (ida + Volta)
Total de horas no Trânsito = 28 horas
168 THM +28 (Trânsito) = 196 horas Disponível para o Trabalho!
28 horas (Trânsito) /168(THM) = 16,67% (Ou seja, 16,67% do tempo por ciclo é perdido no trânsito!)
Total de horas no Trânsito = 28 horas/8. As 28 horas perdidas no trajeto correspondem a 2,3 dias por ciclo
= 2,3 dias de trabalho a mais, trabalhados indiretamente, no trânsito.
Ou seja, na verdade, em um ciclo de 35 dias, TRABALHAMOS 23,3 DIAS! (21+2,3)
Em 1 ano (corresponde ~ 10 Ciclos de 35 dias):
21(Dias trabalhados por ciclo)*10 + 2,3 (dias trabalhados indiretamente no transporte)*10 = 233
dias trabalhados!!
Conclusão:
Em 1 ano
A diferenças entre as escalas de 12 e de 8 é a seguinte: 52,5 -23,3 = 29,2 (“dias de 8 horas” ou seja, equivalente a um dia de jornada) Ou 10 dias a amsi de 24 horas no trânsito. Sujeitos a incidentes, acidentes, assaltos etc.
Bibliografia
MARX, Karl. Trabalho estranhado e propriedade privada. In: Manuscritos econômicos e filosóficos. Tradução: Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2010.