Relatório cita privatização da CEDAE como exemplo de espoliação de recurso natural por especuladores do mercado financeiro
Um artigo produzido por Caroline Rodrigues, educadora da Ong FASE no Rio de Janeiro e, Danilo George Ribeiro, historiador e assessor parlamentar do Deputado Estadual Flavio Serafim (PSOL-RJ), “As águas do Brasil na mão do cassino financeiro”, publicado originalmente no site Outras Palavras, escancara a realidade como o processo de privatização de água no Brasil visa saciar a ganância dos especuladores do mercado financeiro internacional.
O trabalho aponta como bancos sem nenhuma experiência em saneamento preparam-se para assumir o controle dos serviços, em operações obscuras e de rapina.
O oportunismo deste governo de extrema direita no Brasil permite que Jair Bolsonaro siga “aplicando a agenda neoliberal e vendendo as águas brasileiras para corporações internacionais, enquanto 33 milhões de pessoas ainda não têm acesso ao abastecimento de água – o que corresponde a 16,4% da população – e mais de 100 mil morreram de COVID-19 até o momento.”
O caso do estado do Rio de Janeiro
No caso do estado do Rio, uma parte do saneamento já é privatizada desde a década de 1990. No conjunto do estado temos aproximadamente 10% dos municípios com serviços entregues à iniciativa privada.
Caroline Rodrigues e Danilo Ribeiro fazem um histórico de como a crise econômica e financeira do estado do Rio foram usados para justificar a entrega da CEDAE:
“Em 20 de fevereiro de 2017, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou, por 41 votos favoráveis e 28 contrários, a alienação de 100% das ações da Companhia Estadual de águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro (CEDAE) (Lei n°. 7.529/2017). Naquele momento a privatização estava diretamente relacionada ao “Compromisso para Recuperação Fiscal do estado do RJ”, estabelecido entre o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e o presidente Michael Temer (PMDB), para garantir, entre outras coisas, o empréstimo de até R$ 2,9 bilhões ao estado para pagamento da folha de servidores que, à época, estava atrasada em 4 meses. A questão de insegurança jurídica desse processo foi tão grande que esse valor só entrou nos cofres públicos em setembro de 2017, por meio do banco francês, BNP Paribas. As ações da CEDAE foram dadas como garantia. Mas se a privatização da empresa não se concretizar, a União saldará o débito. O prazo deste empréstimo termina em 19 de dezembro de 2020. Em apenas três anos, a dívida cresceu mais de 50% e seu valor corrigido chega a R$ 4,5 bilhões, em parcela única. Em resumo, a CEDAE passou a ser o lastro deste empréstimo e a sua privatização passou a ser tida como condição para que o estado arque com a dívida.” – detalhando como a CEDAE foi usada como garantia no processo de recuperação fiscal do estado do Rio de Janeiro.
Caso a CEDAE não seja privatizada ela teria de ser federalizada, já que a União arcaria com a dívida do estado do Rio.
A oligarquia financeira como elo para a privatização das águas
Os autores informam que o banco BNP Paribas, está no centro da crise financeira do estado do Rio de Janeiro. Na verdade, ele é o elo entre a privatização da CEDAE e a crise do Rioprevidência, uma autarquia criada com o objetivo de gerir o Fundo Único de Previdência Social do estado do Rio de Janeiro, que vem sendo descapitalizado pela Operação Delawere desde 2011.
Para compreender a engenharia financeira que foi montada no Rio, é necessário saber como se deu a distribuição dos royalties do petróleo e das participações especiais do Pré-Sal. Diversos estados e municípios recebem uma parcela desses recursos, os quais são repassados pelo Tesouro Nacional através do Banco do Brasil. No caso do Rio de Janeiro, em 2006, o estado alocou estes recursos no Fundo Rio Previdência para garantir sua solvência.
A Operação Delawere foi montada pelo o governo fluminense ao hipotecar os fluxos de receita dos royalties e participações especiais, que deveriam ser aportados no Rioprevidência, a uma instituição financeira internacional, situada no paraíso fiscal do estado americano do Delaware. Tal instituição, a Rio OilFinanceTrust (ROFT), emitiu títulos financeiros ancorados no fluxo de receita do estado, a fim de captar dinheiro de especuladores internacionais. Esta operação, cujo saldo negativo para o estado se aproxima de R$ 20 bilhões, foi não apenas estruturada, como também usufruída pelo BNP Paribas. As relações perigosas que se estabeleceram entre o estado e o banco foram tão profundas que deram origem a uma investigação no parlamento estadual, presidida pelo deputado estadual Flávio Serafini (PSOL), cujo relatório já está pronto para votação mas, por conta da pandemia, não pode ser votado.
Agronegócio é o maior consumidor de água no Brasil
O artigo detalha que segundo dados recentes da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a cada 100 litros de água tratada produzidos no Brasil, 72 litros vão para o setor do agronegócio e para pecuária. Ou seja, cerca de 70% do abastecimento é consumido pela produção de soja, milho, cana de açúcar e criação de gado, que se destinam, em sua maior parte, à exportação. Longe de semear saúde, os milhões de metros cúbicos de água drenados por estes setores têm gerado fome nas cidades e mortes no campo. Na sequência dos indicadores estão os setores da indústria e mineração que, juntos, são responsáveis por 12% do consumo de água, enquanto a população é responsável por apenas 4% do volume total.
Os autores do estudo destacam que “não é por acaso que o Brasil está na mira do mercado das águas. O país possui 13% de toda água doce superficial do mundo, além de grandes aquíferos como o Guaraní e o Alter do Chão.
Água na mira de Bolsonaro e Paulo Guedes
Em junho de 2020 Jair Bolsonaro conseguiu a aprovação, pelo Parlamento, da Lei 14.026/2020, que altera a Política Nacional de Saneamento (Lei 11.445/2007). Esta nova legislação representa mais um ataque ao meio ambiente já que permitirá a apropriação privada dos recursos hídricos brasileiros bem com a gestão privada dos serviços de saneamento.
“Outro problema trazido pela Lei 14.026/2020 é que a conta de água poderá ficar mais cara. Isso já aconteceu em outras cidades onde os serviços foram privatizados. Ao permitir que grandes corporações assumam a prestação de serviços de saneamento, o poder público acaba por colocar a população mais pobre refém de um tipo de serviço privado, que não tem concorrente e que se vale dessa prerrogativa para postergar, ou não realizar, qualquer tipo de melhoria nos sistemas usando argumentos como: “não está no nosso plano de metas investir nessa área agora”, “esse tipo de investimento é arriscado para o nosso equilíbrio econômico financeiro”, “esse tipo de investimento não nos dará retorno econômico” – enfim, uma infinidade de argumentos que, ao fim, têm o lucro como horizonte e não a garantia do direito a água e ao saneamento.” – afirmam os autores do artigo.
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CEDAE já tem data para ser leiloada
O governo do estado do Rio de Janeiro estipulou a data de 30 de abril de 2021 para realizar o leilão de concessão da CEDAE. O edital de concessão da empresa foi publicado nesta terça-feira (29/12), no Diário Oficial, e os interessados terão até 120 dias para apresentar suas propostas. O critério de licitação será o de maior outorga, cujo valor mínimo é de R$ 10,6 bilhões. A previsão é de que os contratos com as concessionárias sejam assinados até o fim do 1º semestre de 2021.
O Sindipetro-RJ se soma na luta contra a privatização da CEDAE e considera importante o povo brasileiro seguir o exemplo do povo boliviano, que anos atrás impediu a privatização da água com grandes protestos. A luta contra a privatização da água se torna ainda mais importante num contexto em que esse recurso natural indispensável para a vida começou a ser perigosamente negociado em bolsa.