Plano de saúde com a nova formatação se transformou em um pesadelo para aqueles que ajudaram a construir a Petrobrás
Quem entrou por concurso para trabalhar na Petrobrás imaginava desenvolver profissionalmente e encontrar um porto seguro para si e a família. Fundo de pensão e plano de saúde eram os benefícios mais atraentes que tornariam em realidade o sonho de uma terceira idade tranquila. Mas infelizmente para muitos isso não aconteceu, e hoje vivem a angústia de cobranças abusivas, atendimentos precários e a frieza da burocracia. São ativos, aposentados, pensionistas e dependentes que hoje vivem um verdadeiro pesadelo.
Esta reportagem teve acesso a relatos de pessoas que atualmente encontram muitas dificuldades com a nova e semi-privatizada AMS, que agora se chama Associação Petrobrás Saúde (APS). Para preservar seus respectivos anonimatos optou-se, em alguns dos casos, abaixo, pelo uso de nomes fictícios.
Roberto Ribeiro – Demora para liberação de cirurgia de urgência da esposa
“Com dores na coluna levei minha esposa para um atendimento emergencial. No Hospital CHN – Complexo Hospitalar de Niterói- Rede IMPAR- DASA, o neurocirurgião constatou a necessidade de uma cirurgia de emergência em 24 horas. A APS ia liberar o procedimento, só que faria isso com o uso de equipamentos de instrumentação de baixa qualidade, que por aconselhamento do médico não aceitei. A situação gerou uma demora de 17 dias para liberação do procedimento. Logo depois da realização da cirurgia, realizada em julho de 2021, o problema foi obter o reembolso pelo pagamento do anestesista que demorou mais 70 dias para ser efetivado. Estou processando a APS e o hospital, através do Jurídico do Sindipetro-RJ, por danos morais”.
Alair – Descontinuidade de tratamento da esposa
“A minha mulher está internada há cerca de um ano e meio, sendo os últimos cinco meses na clínica Placi Cuidados Extensivos, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. A clínica já deu alta hospitalar para ela, mas Elsa ainda está com a ferida aberta que requer continuidade de tratamento adequado. A APS quer mandar Elsa para casa , com a continuidade do tratamento sendo feito pela home care.
Estou resistindo a essa ideia, pois entendo que ao voltar para casa a qualidade de atendimento médico vai cair significativamente, pondo em risco todo o trabalho realizado em um ano e meio.
Por vontade da Elsa e minha também o tratamento seguiria em clínicas por terem bem mais recursos do que em casa. Dá para ajudar de alguma forma essa minha luta?”
Marlene – dificuldade digital
“Quanto a AMS (APS), tenho muitos, muitos e muitos recibos de compra de remédios (caros), consultas e fisioterapias, todos sem dar entrada! Porque eu não consigo fazer de casa. Eu sempre levava todos os documentos em referência presencialmente ao posto Petrobrás, então com a pandemia e o pessoal em casa eu não consegui mais dar entrada!”
Dalva– falta de cardiologista credenciado
“Estou morando em Jundiaí-SP e aqui não tem médicos credenciados AMS (APS) Petrobrás. Como devo proceder quando eu precisar fazer um tratamento. Precisei fazer um exame e tive que ir ao Hospital do Coração, em São Paulo. E é muito longe.”
Geraldino – Problema com reembolso
“Não consegui receber meus reembolsos, pois tive protocolos substituídos por eles mesmos; documentos devolvidos após eles terem aprovados, isso pertinho da data do pagamento do reembolso ! Eles trocam de alegação a todo momento para o não reembolsar. Um absurdo !”
Nely – burocracia que atrapalha tratamento
“Está muito lenta a liberação pela AMS (APS) da continuação da Reabilitação Cardíaca feita pela Seacor Reabilitação Cardíaca, aqui em Niterói-RJ, proporcionando parada no tratamento até que eles permitam recomeçar. Isso causa prejuízo na evolução e atrasa a melhora do paciente.”
Selminha – demitida política da Petrobrás em 2009
“Fui demitida com 42 anos, agora tenho 54, a saúde declinou e estou sem controle dos exames de rotina porque nunca mais pude fazer. Sempre fui arrimo de família, agora sofro quando vejo minha mãe precisando de coisas elementares e não posso fazer quase nada. Dei pra ficar em crise de ansiedade nos dias de pagamento, acho que estou voltando a ter crises de pânico. Peço para quem não puder fazer doação em dinheiro, se puder comprar remédios ou meus produtos especiais de pele. Eu não sobrevivi 12 anos para me enterrar agora. Não está fácil…”
Florêncio – descontos abusivos
“Tenho 69 anos, câncer de próstata, e desde de fevereiro de 2021 sofro com s descontos abusivos, inclusive, nem vi a cor do meu 13º que foi usado para descontar valores sem a minha autorização. Nos dois últimos meses só recebi R$ 170, incluindo meu salário de aposentado e o 13º.
Me aposentei em 2013, moro sozinho e tenho despesas de aluguel, remédios e uso fraldas. São três a quatro fraldas porque dia, cada pacote só vem com oito fraldas, ainda preciso usar um pacote de absorvente, que uso dentro da fralda. Cada pacote, fralda e absorvente, custa R$ 68,90 por semana.
Tenho ainda despesas com meu cachorro, minha alimentação e com meus remédios. Estou desesperado, devendo três meses de aluguel, sempre me dediquei a minha empresa (Petrobrás) que amo muito. Toda vez que passo pelo EDISE fico emocionado. Quando tento entrar lá o meu crachá não pode passar na roleta. Às vezes preciso entrar no prédio para usar o banheiro em uma emergência, daí enfrento a burocracia da recepção para tentar chamar algum amigo que está na ativa para me dar acesso ao banheiro.
Sempre dei todo o meu conhecimento para manter a nossa empresa forte, e sempre tive orgulho de ser um verdadeiro petroleiro que fui. Hoje agradeço a Deus por ter me dado essa alegria de poder fazer parte dessa grande Petrobrás. Mas esperava mais dela, dada a minha condição.”
Paulo César – com Alzheimer , apenas um número
Relato da esposa: “ele possui auxílio cuidador, a APS ofereceu um PAD, Plano de Assistência Domiciliar, para compra ou aluguel uma cama, cadeira de rodas e outros utensílios e serviços hospitalares. Além disso, a APS ofereceu acompanhamento por home care uma vez por mês, consultas médicas com limitações de quantidade, mas com isso sendo feito através de reembolso. Esse atendimento home care não atende as nossas necessidades.”
Kátia– descredenciamento
“Apesar de aposentada BR precisei voltar a trabalhar e tenho um plano do Bradesco Saúde, os médicos que me atendiam pela AMS, não são credenciados pelo plano atual. Por conta disso, pago consultas para não interromper o tratamento; nem sempre o valor informado na simulação do reembolso e o mesmo foi valor reembolsado, sendo sempre menor; o extrato de utilização por período não é analítico, não demonstrando o valor de cada atendimento, apenas o total do mês; a Bradesco Saúde não aceita fazer o credenciamento dos médicos que atendiam pela AMS;
hoje só contamos com hospitais e laboratórios.”
São pessoas, e não números
Nossa reportagem expôs uma série de situações e constrangimentos que se acentuam desde a criação da Associação Petrobrás Saúde. É notório que a AMS nunca foi um mar de rosas, mas não apresentava tantos problemas como ocorre atualmente. A nova configuração do plano de saúde, que é uma porta de entrada para a privatização do serviço, mostra bem como será a realidade caótica, caso a AMS seja privatizada de vez.
Infelizmente, nas diversas reuniões que já foram realizadas pela Comissão Paritária da AMS a resposta sempre é a mesma: problemas pontuais. Isso mostra como a gestão da Petrobrás enxerga , somente na lógica dos números, os problemas de quem é beneficiário do plano de saúde da empresa. Nosso jornalismo brevemente produzirá uma reportagem sobre problema que ocorrem com empregados da ativa que estejam tendo problemas com a APS.
Sindicato cobra mudança na política de AMS
O Sindipetro-RJ/FNP denunciou, mais uma vez, na última reunião da Comissão Paritária , os aumentos abusivos da AMS, em total descompasso com os reajustes da categoria, que mais agravaram a situação advinda dos confiscos de aposentadorias e pensões e aumento das contribuições contra os ativos no caso do plano de previdência complementar (PETROS). E reafirmando a necessidade da direção da empresa rever essa política, honrar os trabalhadores, até porque a condicionante administrativa das resoluções CGPAR 22 e 23 foi derrotada.
Não há qualquer legitimidade concedida pela categoria à direção da APS. O quórum alcançado na eleição, mesmo com todos os esforços e instrumentos da maior empresa do país, revela a rejeição da categoria à criação de uma associação para interpor, a Petrobrás e as demais empresas do sistema, das suas diretas obrigações de saúde com os trabalhadores. Deve agora, a direção da empresa, reverter essa decisão temerária, rumo à privatização da AMS, posta em curso sob o controle de controverso gestor que negociou ações em bolsa com informações privilegiadas e se dedicou aos interesses das operadoras privadas de saúde e segue sob investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Ministério Público Federal (MPF).