Carta aberta sobre a privatização da Cedae

CEDAE é do povo fluminense

Através de Carta Aberta, Seaerj e Clube de Engenharia mostram porque CEDAE não pode ser privatizada

Carta aberta à população, aos políticos e ao governo do Estado do Rio de Janeiro

​A Sociedade de Engenheiros e Arquitetos de Estado do Rio de Janeiro – SEAERJ e o Clube de Engenharia, vêm publicamente prestar esclarecimentos à população, aos dirigentes e aos legisladores do Estado do Rio de Janeiro.

A Companhia Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE é uma empresa estatal de economia mista, lucrativa e administrada como empresa privada. É a legatária dos diversos órgãos da área de saneamento, que foram se sucedendo, desde a época do império até o presente, assumindo no ato de sua criação, em 1975, o vigente formato de empresa de economia mista. A CEDAE é uma das maiores detentoras de modernas tecnologias de saneamento do mundo.

A CEDAE constitui, juntamente com as ações de vacinação, um eficaz esquema profilático no Estado do Rio de Janeiro. 80% das enfermidades, principalmente em países do terceiro mundo, advêm da ingestão e o contato com água poluída. O consumo de água tratada, DENTRO DOS PADRÕES ESTABELECIDOS PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, serve como vacina simultânea para dezenas de doenças de veiculação hídrica. A água é elemento indispensável à vida e fator crucial para a saúde, devendo, como tal, ser levada tanto às áreas de bom nível aquisitivo como às áreas mais pobres.

Alguém, algum dia, imaginou privatizar programas de vacinação e ações profiláticas de saúde? A CEDAE atua em 64 municípios, sendo que, 85% da arrecadação da CEDAE se concentra na cidade do Rio de Janeiro. A quase totalidade das outras regiões é deficitária, isto é, a arrecadação não cobre os custos da prestação dos serviços. Existe, na verdade, um subsídio cruzado que a CEDAE pratica satisfatoriamente, há décadas, propiciando uma harmonização social dos serviços prestados. Sem isto, as filas nos hospitais públicos se multiplicariam causando mais despesas ao Estado.

Toda empresa privada visa essencialmente lucro e, como tal, não se disporia a comprar a CEDAE para fazer subsídio cruzado. Como privatizar a CEDAE levando o Governo do Estado a perder este mecanismo e passar a arcar com estes custos que antes era da CEDAE?

O QUE OCORREU, E AINDA OCORRE, NO MUNDO EM RELAÇÃO À POLÍTICA PÚBLICA DE SANEAMENTO NOS ÚLTIMOS 15 ANOS?

O panorama mundial, criticamente comentado, sobre política pública alternativa na área de saneamento, realizado pelo “Instituto Transnacional” (TNI), centro europeu de pesquisas com sede na Holanda, nos mostra o perfil a seguir.

267 cidades no mundo todo, incluindo Paris, Berlim, Stuttgart, Nápoles, Sevilha, Barcelona, Budapeste, Maputo (Moçambique), Bamako (Mali), Atlanta, Buenos Aires, La Paz, etc, privatizaram os serviços de água e esgoto, e, após alguns anos, tiveram que voltar atrás e reassumiram a prestação dos serviços. Apenas nos Estados Unidos foram 59 cidades em que o Poder Público teve que retomar os sistemas de saneamento básico.

Em Buenos Aires, após a privatização, a população passou a consumir água fora dos padrões, isto é, mal tratada além de muito mais cara. Após mais de dez anos de gestão privada, o Poder Público teve que tomar os serviços de volta, com as instalações em estado precário, e mandar embora do país a empresa francesa.

Em Berlim, após muita pressão popular, a retomada da prestação dos serviços custou aos cofres públicos 5 bilhões de reais (1,3 bilhão de euros). A cidade teve que pagar para reaver o que antes já lhe pertencia.

O Uruguai, país que tem sido exemplo de boa governança e pioneiro de paradigma na América Latina, em 2005, tendo em vista os inúmeros exemplos de privatização de água no mundo, incorporou à constituição a água como bem público não privatizável.

Principais motivos que obrigam a retomada da prestação dos serviços pelo Poder Público:

.. falta de investimento pela empresa privada que assume os serviços
.. queda da qualidade dos serviços, inclusive do tratamento da água
.. aumento desproporcional das tarifas
.. abandono das populações de baixa renda

Por essas razões, cerca de 90% da prestação do serviço de fornecimento de água em todo o Planeta são realizados pelo poder público.

O Rio de Janeiro quer ir para onde o mundo foi e teve que voltar.

A CEDAE é uma empresa lucrativa. O governo do Estado do Rio de Janeiro, não coloca nem um centavo na CEDAE.

A venda da Água não resolveria o problema financeiro do Rio. Ao contrário, como a CEDAE é rentável, contribui para a debilitada “caixa” do Estado, com dividendo entre 60 e 110 milhões. Isto, claro, se a CEDAE continuar pública. Além disso, o governo teria as despesas de saúde aumentadas pelo incremento da demanda nos hospitais públicos, como já foi dito.

A venda da CEDAE não solucionaria a situação financeira adversa, longe disso, acarretaria gastos além dos que o governo suporta hoje. A questão que se apresenta para o Estado do Rio de Janeiro é de fluxo de capital, e não um estoque pontual de capital. A cada 30 dias o governo do Estado tem que pagar pessoal, fornecedores, empreiteiros, prestadores de serviços, alugueres, etc. e não arrecada o suficiente para tal. A despesa total é maior que as receitas. A alienação da CEDAE apenas ajudaria a empurrar o problema, dando falsa aparência de melhora do quadro de dificuldade financeira, por dois ou três meses apenas.

Tecnicamente, a venda da água é contraindicada, vai diminuir a entrada de dinheiro e aumentar as despesas.

EXISTEM ALTERNATIVAS PARA FAZER O AJUSTE FINANCEIRO QUE NÃO CAUSAM CONSEQUÊNCIAS PARA O ESTADO E QUE NÃO PODEM SER DESPREZADAS.

O Estado de Minas Gerais ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma ação solicitando um encontro de contas entre o que Minas tem para receber relativo à Lei Kandir e o que Minas Gerais tem para pagar de divida ao governo federal. Como a conta credora era maior que a conta devedora, o STF declarou o governo de Minas Gerais credor do Governo federal. O mesmo fez o Estado do Pará. Então, já foi criada a jurisprudência. O governo do Estado do Rio de Janeiro pode, e deve trilhar o mesmo caminho e se tornar credor do governo federal. Isto sim poderia ser o item mais benéfico para o ajuste financeiro. E não a venda da CEDAE, que, a curto prazo, agravaria as finanças do Estado. Cabem, então, as perguntas:

Por que o governo do Estado do Rio de Janeiro não parte para esta solução?
Por que insistir numa solução de ajuste financeiro que não ajusta as finanças do Estado?
Por que vender a CEDAE, se não vai resolver nada, só vai causar mais dificuldades e despesas para o Estado?

Considerando-se um percentual de apenas 15% de recuperação da Divida Ativa do Estado do Rio de Janeiro, se poderia ter um montante correspondente ao dobro do que o governo pretende conseguir de empréstimo junto a bancos privados, dando as ações da CEDAE em garantia. A atuação sobre a Divida Ativa, securitizando ou não, e o aperto em cima da sonegação de impostos, de cerca de 10 bilhões apenas relativamente ao imposto sobre circulação de mercadoria, dariam aos cofres do Estado três vezes o valor do empréstimo acima citado. Outras ações poderiam ser colocadas em prática, gerando, no total, um montante três ou quatro vezes maior do que o valor, ventilado em algumas mídias, que se diz querer vender a CEDAE.

Ressalte-se que um rol de medidas também foram colocadas sobre a mesa, proveniente do excelente corpo técnico da Secretaria de Fazenda, e que, poderia mitigar a adversidade financeira por que passa o nosso Estado. Não podemos deixar de citar questionamentos e propostas de caráter técnico, visando dar encaminhamento de solução à situação de caixa do Estado, advindas de ocupantes da Assembleia Legislativa do Estado, isto é, contribuições de representantes da população fluminense, que se tornam púbicas em eventos realizados em instituições representativas da sociedade.

O Governo do Estado muito a contra gosto é obrigado a fazer ouvidos moucos a toda e qualquer informação desfavorável à privatização da CEDAE, a toda e qualquer proposta alternativa e a todo e qualquer questionamento em relação à validade do caminho que está sendo adotado por imposição, cega e surda, do governo federal.

Atônitos, aqueles que, desde sempre, foram os assessores, para os assuntos de caráter técnico, dos sucessivos governos do Estado do Rio de Janeiro, perguntam: por que isso?

QUANTO AOS INVESTIMENTOS QUE O ESTADO DO RIO DE JANEIRO PERDERIA COM A PRIVATIZAÇÃO DA CEDAE, CABE RESSALTAR, ENTRE OUTROS, OS QUE BENEFICIARIAM A POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA.

Estão sendo investidos 3,4 bilhões de reais, em áreas deficitárias, para a quase universalização do abastecimento de água da Baixada Fluminense com recursos equacionados no âmbito da CEDAE. Para o programa de despoluição da Baia de Guanabara estão previstos investimentos da ordem de 1,4 bilhão de reais.

Em maio deste ano, a CEDAE ganhou uma ação no Supremo Tribunal Federal isentando-a de pagamento de imposto de renda. Este dinheiro, 500 milhões de reais/ano, será totalmente aplicado em investimentos. Isto é, enquanto a CEDAE for pública. Se for privatizada, terá que pagar o imposto e Estado do Rio de Janeiro perderá meio bilhão por ano em obras de saneamento. Mais ainda, a sentença determina a devolução do que foi pago nos últimos 5 anos. Ou seja, a CEDAE vai receber de volta 2,5 bilhões que serão também utilizados em investimentos.

RESUMINDO AS PERDAS: 3,4 + 1,4 + 2,5 = 7,3 bilhões
7,3 bilhões de Reais + meio bilhão de reais por ano

Pelos motivos expostos, isto é, todas essas perdas no caso de se privatizar a CEDAE, somos contrários à inoportuna e inconsequente imposição do governo federal que exige a venda da água do Estado do Rio de Janeiro, e, em seu lugar, defendemos a adoção de medidas alternativas como os exemplos citados acima. Além disso, consideramos muito conveniente, o debate do governo do Estado com a sociedade, através de suas instituições, para favorecer o desenvolvimento de ações paralelas que beneficiem a solução do problema financeiro em que o Estado está imerso.

Destaques