Encontro realizado entre os dias 5 e 7 de junho, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) debateu estratégias de reparação junto às companhias que apoiaram e deram suporte à ditadura militar. O Sindipetro-RJ foi representado pela petroleira aposentada, anistiada, Fabíola Mônica, diretora da FNP e ativista da anistia política aos perseguidos dentro do sistema Petrobrás
No seminário foi apresentada uma pesquisa sobre o papel da Petrobrás no período revelando como militares aparelharam estatal e perseguiram trabalhadores
A Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) esteve presente no “1° Seminário Ditadura, Empresas e Violações de Direitos”, que discutiu de forma sistematizada, com vasta pesquisa acadêmica, a atuação de grandes empresas em apoio à ditadura militar (1964-1985) e formas de reparação coletiva às vítimas e famílias.
A partir do projeto de pesquisa “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”, um convênio entre o Ministério Público Federal (MPF) e Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Unifesp, 55 pesquisadores e ativistas dos direitos humanos realizaram um vasto levantamento, além do caso Petrobrás, sobre a colaboração de outras grandes companhias à ditadura como a Folha de São Paulo, Companhia Docas, Josapar, Itaipu, Fiat, CSN, Cobrasma, Aracruz e Paranapanema estão no primeiro bloco da investigação, além de mais três investigadas: Embraer, Belgo Mineira e Mannesmann.
O intuito foi identificar os impactos aos trabalhadores e seus sindicatos, aos povos indígenas e às transversalidades de gênero e raça.
No caso da Petrobrás, a pesquisa contou com a participação de seis pesquisadores que produziram um relatório final divulgado no último mês de abril, sendo o seminário parte integrante do cronograma do projeto.
(confira a pesquisa material na íntegra)
A investigação começou na empresa Volkswagem do Brasil que atuou diretamente na repressão aos seus trabalhadores, durante a ditadura. O MPF desferiu, após comprovação dos fatos, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Os pesquisadores Luci Praun (Universidade Federal do Acre) e Carlos Eduardo Soares de Freitas (Universidade Federal da Bahia/Universidade Estadual da Bahia) apresentaram o caso Petrobrás ao público. A pesquisa – com vasta fonte documental coletada nos arquivos públicos e em entrevistas realizadas com petroleiros perseguidos – foi dividida em três eixos: 1) perseguição política e relações de trabalho; 2) repercussões das atividades da empresa sobre: populações urbanas em situação de vulnerabilidade (Vila Socó-Cubatão/SP – 1985) e povos indígenas (Vale do Javari/AM – 1981-1985; 3) beneficiamento econômico da empresa e seus diretores.
Dados da pesquisa
Os pesquisadores apresentaram conteúdos que reafirmam as práticas violadoras dos direitos humanos por parte do regime ditatorial e a colaboração ativa da Petrobrás. Algumas delas são: prisões, torturas, inquéritos, processos e demissões em massa; intervenção nas entidades sindicais; a ocupação militar nas unidades, sobretudo nas refinarias por seu caráter estratégico; a infiltração de 16 oficiais da Escola de Comando do Estado Maior do Exército (Eceme) na empesa.
Um fato que chamou atenção, obviamente não documentado pela Petrobrás, mas que aparece no relato dos vitimados e de testemunhas são os locais de prisão e tortura dentro da companhia. Um deles relaciona a Fábrica de Borracha (Fabor) e a Refinaria Duque de Caxias (Reduc), no Rio de Janeiro (RJ).
“O depoimento de um trabalhador da Fabor é muito interessante e revelador. Ele diz que se vestia de servente de limpeza para entrar numa sala, onde presenciava pessoas sentadas, de cabeça baixa, quietas, e que levavam chutes quando levantavam as cabeças” – contou a pesquisadora Luci Praun.
“Eu não sei de onde é que eles vinham. Os caras vinham, traziam os caras presos lá na Fabor, onde o primeiro escritório era tudo tábua, era feito de madeira e eles tinham uma sala que eles levavam o pessoal e os caras ficavam sentado, não podia dormir, não podia nada. Mas aquilo era dia e noite. Se dormisse, era sentado. Mais aí eles iam chutavam a cadeira. (…) Eu não sei [de] onde eles traziam aquele pessoal. Não era lá de dentro (da Fabor), devia ser de lá da Reduc” – diz um dos entrevistados em depoimento à pesquisa.
No primeiro ano do golpe militar, à medida que o regime ditatorial avançava, logo no início, já se estruturava uma complexa rede de repressão dentro da companhia. A Petrobrás colocou cerca de 3 mil trabalhadores sob suspeita, resultando em 1,5 mil processos de investigação, 712 indiciados e 516 demissões.
A militarização aumentava na empresa conforme o endurecimento do regime a partir do Ato Institucional n°5 (AI5), em 1969, que enquadrou muitos petroleiros na Lei de Segurança Nacional (LSN), com o aval da diretoria da estatal.
Esta política persecutória se tornou prática sistematizada a partir da criação de dossiês, produção de “listas sujas” e das Fichas de Controle da Investigação Político Social. Através da DIVIN, um órgão interno de investigação dentro da estrutura organizacional da Petrobrás, com a participação de dois órgãos repressores oficiais: Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), Serviço Nacional de Informações (SNI), Secretarias de Segurança Pública Estaduais (SSP), entre outros.
Reparação Já
Os pesquisadores categorizaram os danos protagonizados pela Petrobrás da seguinte maneira: danos à vida, à subsistência, à sobrevivência de um modo de vida, à sustentação econômica e à segurança familiar; danos à liberdade, à integridade física e à integridade psíquica; danos à liberdade e à organização sindical; danos ambientais.
“As medidas reparatórias devem ser compensatórias face aos danos e prejuízos causados às vítimas. As reparações visam assegurar o não retorno a um regime ditatorial e constituem parâmetros para se avaliar o real processo de democratização de uma sociedade” – explicou o pesquisador Carlos Eduardo Soares de Freitas.
Os pesquisadores ressaltaram que a Petrobrás, precisa além de acolher os empregados anistiados, acatando Lei da Anistia política 10.559/2002, e também reconhecer as violações praticadas em colaboração com a ditadura, promover uma retratação pública perante as vítimas e a sociedade, assim como a adoção de medidas de garantia da memória, como o financiamento de pesquisas, cursos e seminários sobre a responsabilidade empresarial em violações de direitos durante o regime de exceção nos mais variados setores da sociedade.
O Sindipetro-RJ contra a ditadura
A longo de sua trajetória de 64 anos, completados em março último, o Sindipetro-RJ foi um bastião de resistência do movimento sindical aos gorilas da Ditadura Empresarial Militar.
A relação do golpe de 1964 com a categoria petroleira e o Sindipetro-RJ é uma história de perseguições e intervenções. Logo em 1965, o Sindipetro-RJ sofre sua primeira intervenção militar, no ano seguinte é eleita uma chapa única apoiada abertamente pela ditadura. Em 1968, os milicos anulam três eleições e por ordem do 1° Exército é decretada mais uma intervenção na entidade, eram tempos muito complicados.
Durante a ditadura, as empresas estatais foram comandadas por militares de alta patente. Vale lembrar que o ditador, general Ernesto Geisel ocupou a presidência da Petrobrás entre os anos de 1969 e 1973.
Vários quadros da DIVIN pertenciam ao Exército e tinham sido cedidos à Petrobras. A maioria atuava no EDISE, o antigo Edifício Sede da Petrobrás que hoje passa por intermináveis reformas, localizado na Carioca, no Centro do Rio de Janeiro.
Em 2013, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), após receber alguns arquivos digitalizados solicitados junto à Petrobrás, identificou que o Serviço Nacional de Informações (SNI) monitorou cerca de 26 mil prontuários de funcionários da empresa. Em nota, a CNV informou na época: “O SNI monitorava movimentações de funcionários e aparentemente tinha poder de veto sobre promoções, caso encontrasse na ficha do funcionário algo considerado subversivo ou inapropriado ao regime militar”.
Base do Rio na resistência
Fabiola Mônica, petroleira aposentada, diretora da Federação Nacional do Petroleiros (FNP) conta que, em 1983, no CENPES, onde era lotada, foi colocada em situação de cárcere privado, sendo trancada em uma sala na unidade, sem saber o motivo. Tempos depois, quando participava dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) ficou sabendo que integrou uma lista de perseguições políticas
“Quando participei do Grupo de Trabalho da CNV sobre a perseguição aos trabalhadores, fiquei sabendo que integrava uma lista da DIVIN em que constavam petroleiros que formavam a vanguarda política do CENPES. Um dia me trancaram em uma sala sob alegação de me proteger, era muito jovem com menos de 30 anos, mãe de duas crianças pequenas. Eu consegui fugir com ajuda de dois colegas. As pessoas eram demitidas sumariante por conta de suas posições políticas, alguns colegas foram duramente torturados. A ditadura empresarial militar também aterrorizava na Petrobrás” – lembra Fabíola que lutou durante dois anos para ser readmitida na Petrobrás.
A diretora da FNP lembra também que existiram situações de cárcere privado na Petrobrás em unidades como, por exemplo, Fronape e REDUC. Havia também perseguições no EDISE, onde petroleiros como Jorge Eduardo Nascimento (Jorginho), entre outros, acabaram como alvos nos anos 1980 da ditadura que já entrava na sua fase derradeira.
Em maio de 2013, a direção da Petrobrás transferiu para o Arquivo Nacional uma série de documentos produzidos pelo DIVIN. O acervo reúne 426 rolos de microfilmes, com 131.277 fichas de controle dos trabalhadores que foram investigados pela ditadura, sendo este material que Fabíola Mônica teve acesso durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, no GT dos Petroleiros.
A petroleira conta que em plena ditadura militar, em 1983, os petroleiros cruzaram os braços para lutar contra o arrocho salarial, a manipulação do INPC, o Decreto-Lei 2.036, contra o acordo com o FMI e a proposta já existente naquela época de privatização da Petrobrás. Ela lembra e menciona os companheiros de luta.
“Eu gostaria de citar os outros colegas do CENPES que foram demitidos comigo em julho de 1983 como Wladimir Mutt, Denise Costa, Orlando e Pasqualine e além destes, na realidade, existia uma ” lista suja”, chamada naquela época de “Lista Negra” que integravam 12 petroleiros do CENPES para serem sumariamente demitidos. Nossa resistência barrou a demissão dos outros” – relembra.
Por fim, a diretora da FNP ressaltou a importância do trabalho realizado pelos pesquisadores no trabalho de investigação sobre o sombrio período ocorrido na Petrobrás.
“Esse trabalho é de suma importância para que a sociedade saiba a verdade sobre o que aconteceu naquele triste período. É uma história que precisa ser contada, para que a memória não seja apagada e os erros se repitam no Brasil e na Petrobrás. Infelizmente, ainda ficaram resquícios que foram absorvidos pela cultura corporativa da empresa que continua a perseguir trabalhadores, usando de práticas antissindicais como vem acontecendo nos últimos anos.
Sindipetro-RJ apoiou pesquisa sobre perseguições na Petrobrás
O Sindicato atuou no apoio à investigação científica dos pesquisadores que participaram do projeto “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura: Caso Petrobrás”, disponibilizando informações e indicando contatos de trabalhadores da base perseguidos durante os anos de chumbo para obtenção de depoimentos ao projeto.
A equipe principal de pesquisa sobre o Caso Petrobrás foi composta por Luci Praun (Ufac) /Pesquisadora responsável Alex de Souza Ivo (Ifba) Carlos E. S. de Freitas (Ufba – Uneb) Claudia Lima da Costa (Jornalista) Júlio Cesar P. de Carvalho (UFF) Márcia Costa Misi (UEFS).
O Sindipetro-RJ foi o primeiro sindicato a integrar a Comissão Nacional da Verdade oficialmente, quando esta iniciou seus trabalhos a partir de 2012, recebendo representantes da comissão, as advogadas Rosa Cardoso e Nadine Borges, respectivamente membro e assessora no auditório de sua sede na Avenida Passos, 34, Centro do Rio, em uma sessão realizada em 14/09 pelo GT dos Trabalhadores, estabelecendo o Sindicato como braço da CNV.
Com FNP/Comissão Nacional de Anistia/Publica – Agência de Jornalismo Investigativo