Jogo de cartas marcadas: Decio Oddone cumpre prazo da Lei nº 12.813/2013 e após quatro dias do fim da “quarentena” assume direção de petroleira da Queiroz Galvão
Quatro dias após ter cumprido o prazo de seis meses para ocupar uma função na área privada, conforme a Lei nº 12.813/2013, a lei do “Conflito de Interesses”, por ter exercido cargo de diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), durante o período de 23 de dezembro de 2016 a 17 de março de 2020, Décio Oddone teve seu nome confirmado pelo conselho administrativo da Enauta como diretor-presidente da empresa.
O antigo executivo da ANP já teve passagens pela Petrobrás , Braskem e Prumo Logísitica. A Enauta Participações é uma empresa de exploração de petróleo do grupo Queiroz Galvão.
Por ter atuado ativamente durante quatro anos na ANP certamente deve ter acumulado muitas informações importantes sobre áreas de petróleo e gás. Em entrevista publicada pela agência Reuters, o novo chefão da Enauta anuncia que dispõe de R$ 2 bilhões em dinheiro e em contas a receber para investir na compra de campos em terra e em mar.
De olho em campos maduros, os mesmos que a direção da Petrobrás despreza
Se os campos maduros são pulverizados pela direção da Petrobrás em sua política de desenvestimentos, pois para a empresa eles possuem baixo retorno, para Oddone eles representam uma boa oportunidade para a Enauta. “Os campos maduros colocados no mercado à medida que gigantes do petróleo se ajustam a um cenário de preços mais baixos da commodity, trazido pela pandemia de coronavírus, cria oportunidades para uma produtora sem dívidas e com alta liquidez” – disse Oddone, acrescentando que a empresa tem preferência por ativos que possa operar.
A Enauta produziu 15 mil barris (boe), ao dia, no terceiro trimestre, incluindo a produção de gás natural de sua fatia no campo de Manati, vendida à Gas Bridge em agosto por R$ 560 milhões.
A maior parte da produção da Enauta provém do campo de Atlanta, localizado em águas profundas do litoral do Rio de Janeiro, integrando a Bacia de Santos.
Obviamente que o ex-presidente da ANP sabe muito bem que campos irá adquirir e como explorar; afinal informação privilegiada, do período em que esteve na agência reguladora, com certeza ele tem.
O golpe do Cade
Oddone teve participação ativa em 2019, enquanto diretor-geral da ANP, na formalização do Termo de Compromisso de Cessação (TCC), em 08/07, quando assinou como testemunha. O TCC era relativo a investigações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre “supostas” condutas anticompetitivas da Petrobrás no mercado de gás natural no Brasil, entre elas abuso de posição dominante e discriminação de concorrentes por meio da fixação diferenciada de preços.
Essa foi uma das mentiras criadas para justificar o desmonte da Petrobrás e a pulverização de seus ativos para as concorrentes, e pelo visto, Oddone demonstrou ter visão de mercado, já antevendo o próprio cenário futuro.
Aliás, seria interessante indagar por onde andam os “executivos” que ajudaram ao longo do tempo a executar a Petrobrás como Pedro Parente, conselheiros de administração e diretores, que hoje estão na iniciativa privada, concorrendo com a Petrobrás.
O homem que sabe demais
A pergunta que fica é como a lei de “Conflito de Interesses” possibilita que um processo destes seja aceitável, ainda mais se tratando de um homem detentor de informações estratégicas de exploração e de mercado. Esta é a fábula da meritocracia?
Este episódio mostra bem como este tipo de lei, que deveria proteger o interesse público, fazendo com que ex-agentes públicos que migram para a iniciativa privada mantivessem compromissos éticos e morais para evitar possíveis conflitos de interesses, apresenta brechas e suscita suspeições como, por exemplo, neste caso.
O fato é que Decio Oddone está dentro da legalidade, pois cumpriu o prazo de quarentena determinado pela Lei nº 12.813/2013, mas indubitavelmente seus conhecimentos e informações adquiridos na ANP serão vitais para seu desempenho na Enauta. A situação pode ser configurada como um conflito de valor moral, e negar isso é fechar os olhos para o óbvio e ululante , como diria Nelson Rodrigues.