Justiça britânica reconhece direitos de trabalhadores do Uber e OIT pede regulamentação para quem trabalha para plataformas digitais

Por André Lobão

Duas decisões importantes que interessam diretamente aos trabalhadores autônomos que atuam para a plataforma Uber, de transporte de passageiros, foram tomadas na esfera internacional no último mês de fevereiro

No dia 19/02, a Suprema Corte do Reino Unido publicou sua sentença sobre um processo movido por trabalhadores contra contra o Uber, mantendo as decisões dos tribunais trabalhistas e a classificação dos motoristas como “trabalhadores”, uma figura intermediária entre empregados e autônomos, em que se garantem alguns direitos, como o salário mínimo, férias e regras sobre jornada de trabalho.

Já , em 23/02, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou o seu relatório anual sobre perspectivas sociais e de emprego no mundo, dedicado inteiramente na edição de 2021 ao papel das plataformas digitais nas transformações no mundo do trabalho.

Em artigo publicado na revista Carta Capital, o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e Procurador do Trabalho, Renan Kalil fez uma análise da decisão no Reino Unido e do relatório da OIT.

Supremo Corte britânica mostra como Uber age como um capataz com seus motoristas

Infelizmente, muitos motoristas no Brasil, desinformados, ainda acham que trabalham por conta própria e são parceiros da empresa. Veja como essa tese é derrubada pela decisão do judiciário britânico, a partir da análise do procurador que destaca cinco aspectos para demonstrar que, apesar de os motoristas escolherem quando e onde trabalhar, nos momentos em que estão dirigindo, trabalham para a plataforma digital :

O primeiro – é a determinação unilateral pela Uber dos valores pagos aos trabalhadores, uma vez que estabelece o preço de cada viagem e a sua taxa de serviço, o que aponta para o controle da remuneração;

O segundo – é a fixação, nos termos de uso e sem ouvir os trabalhadores, da forma pela qual o trabalho deve ser realizado;

O terceiro – é a submissão dos motoristas às regras definidas pela Uber. Há duas formas de controle. Uma é ocultar informações dos motoristas, o que afeta a sua capacidade de decidir aceitar ou não uma chamada. Por exemplo, o motorista só descobre o destino do passageiro depois que ele embarcou. A outra é impor de taxas de aceitação e de cancelamento.

Não atender os parâmetros estabelecidos pela Uber dá margem a uma série de punições, desde o alertas até a suspensão. Para a Suprema Corte britânica, essa situação deixa claro que os motoristas estão subordinados à Uber;

O quarto – é o significativo grau de controle exercido pela Uber em relação à maneira pela qual os motoristas trabalham. O principal é o uso do sistema de ranqueamento. Se o motorista mantém uma nota abaixo do padrão estabelecido pela Uber, ele pode ser suspenso ou dispensado. Ou seja, esse sistema é usado para gerenciar o desempenho dos trabalhadores, e é a base para decidir a permanência ou o desligamento dos motoristas. Trata-se de uma forma clássica de subordinação; e

O quinto – é a restrição da comunicação entre motoristas e passageiros ao mínimo necessário para realizar a viagem. Todas as mensagens são trocadas por meio do aplicativo da Uber. Quando uma corrida é solicitada, não é oferecida a possibilidade de escolher um determinado trabalhador e todas as questões relacionadas à viagem são gerenciadas pela Uber.

O procurador diante destes cinco pontos apresentados analisa: “Diante desses aspectos, a Suprema Corte afirmou que a Uber controla e determina de maneira rígida como o trabalho deve ser realizado pelos motoristas. A Uber oferece um serviço padronizado e é a grande beneficiária da lealdade dos consumidores. Os trabalhadores não possuem meios de melhorar sua situação econômica por meio de suas habilidades profissionais: a única forma de aumentar os seus ganhos é trabalhando mais horas” – uma realidade comum também aqui nas cidades brasileiras.

Segundo dados do IBGE, o Brasil alcançou uma taxa de informalidade de 39,5% no mercado de trabalho no trimestre até dezembro de 2020, com 34,029 milhões de trabalhadores atuando na informalidade, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE). Deste total trabalham para a Uber um (1) milhão de pessoas entre motoristas e entregadores, conforme publicado no site da empresa, representando 2,93% da massa de trabalhadores informais.

Decisões no Brasil vão na contramão

Kalil informa que no Brasil, a 4ª e 5ª Turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiram casos apontando que os motoristas da Uber são autônomos, dizendo que os trabalhadores podem decidir quando trabalhar. “Em um dos casos, um dos ministros afirmou que a decisão do Reino Unido não deveria influenciar as decisões brasileiras, uma vez que os sistemas jurídicos são distintos” – destaca.

O procurador considera que “é igualmente real que muitas das plataformas digitais, como a Uber, adotam regras globais no funcionamento do seu negócio e é relevante levar em consideração as ponderações feitas na decisão britânica e no relatório da OIT. Negar a existência de subordinação limitando-se ao fato de os motoristas poderem escolher quando trabalhar é insuficiente. Para decisões mais adequadas à realidade do trabalho via plataformas digitais, o Judiciário Trabalhista brasileiro precisa se aprofundar em suas principais questões” – cobrando coerência do judiciário no Brasil sobre a questão.

OIT: Uber distribui tarefas (viagens) e age como patrão

Kalil explica que “segundo o relatório da OIT, uma das expressões desse controle é o gerenciamento algorítmico, um sistema automatizado que distribui tarefas e toma decisões relacionadas ao trabalho. Trata-se de um elemento definidor da experiência cotidiana dos trabalhadores nas plataformas digitais”.

O artigo detalha que o sistema de ranqueamento operado pelos algoritmos a partir de métricas fixadas pelas empresas, leva em conta a aceitação e rejeição de trabalho e é alimentado pelas avaliações que os passageiros dão ao final de cada viagem.

“Muitos trabalhadores se sentem incapazes de recusar uma atividade pelo receio dos impactos negativos no recebimento de trabalho, da perda de oferta de bônus, do recebimento de penalidades econômicas e de serem desligados da plataforma. Ainda não existe um mecanismo justo de resolução de disputas para contestar o recebimento de uma nota baixa ou reclamação indevida” – explica sobre como o sistema aplica uma relação de subalternidade com os trabalhadores autônomos, descaracterizando a tão decantada “parceria” com os motoristas.

Seguindo no texto de Renan Kalil, ele analisa que a OIT considera que a autonomia dos trabalhadores para organizar as suas atividades é muito limitada. “A liberdade de escolher quando e onde trabalhar é determinada pelas notas recebidas e pelo desempenho na plataforma digital, além de outras estruturas de incentivo ao trabalho, como o preço dinâmico” – explica.

Preço dos combustíveis precariza ainda mais a relação e trabalhadores protestam

Ao longo do ano de 2021, os preços médios nas refinarias sofrem sucessivos reajustes com uma alta no ano de 54% no preço da gasolina e de 41,6% no diesel. Isso também afeta os trabalhadores autônomos que atuam, por exemplo, para a Uber e outras plataformas digitais do ramo de transporte de passageiros.

Na semana passada, trabalhadores autônomos que atuam para plataformas digitais como motoristas e entregadores realizaram ato carreata no Rio de Janeiro, na terça-feira (09/03), que teve concentração inicial na sede da Prefeitura do Rio , na Cidade Nova, e que rumou para a Câmara dos Vereadores na Cinelândia, depois com manifestações na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) e finalizando o ato na frente do Edifício Sede da PETROBRÁS.

Os profissionais pedem a redução do preço da gasolina que já está sendo vendida aos R$ 6 em alguns postos. Os trabalhadores exigem o fim da PPI (Política Paridade de Importação) que atrela os preços dos combustíveis vendidos pela Petrobrás à variação do mercado internacional e impõe preços de importação como se não tivéssemos uma das maiores e mais eficientes petrolíferas do mundo, como é o caso da PETROBRÁS, com suas reservas de petróleo, inclusive do Pré-Sal, plataformas, dutos e gasodutos, terminais, refinarias etc, operando a custos muito inferiores aos de importação.

O Sindipetro-RJ acompanhou esse ato e presta solidariedade aos trabalhadores autônomos em sua luta por um preço popular dos combustíveis e que tenham seus direitos trabalhistas reconhecidos.

 

Foto: Patrick Howell O’Neill

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