Por André Lobão
Relatório do MME que não informa e bloqueio da direção que impede transparência
Após um ano de pandemia, o Brasil apresenta números assustadores com mais de 362 mil mortes, com uma média de mais de 3 mil mortes, e com picos de mais 4 mil.
Diante do descalabro com a crise sanitária, acentuada pela incompetência proposital do governo Bolsonaro, federações e sindicatos petroleiros buscam sem êxito acessar dados concretos e confiáveis sobre os números reais da COVID-19 na Petrobrás em suas áreas administrativas, de operação e produção.
Aliás é importante apontar que durante este período da pandemia, no Brasil, o segmento de Petróleo e Gás apresentou um aumento de produção no período (2020), com crescimento de 5,5% em relação ao ano 2019 , enquanto a de gás natural cresceu 4,1% em relação ao ano anterior, com média de 127 MMm3/d (milhões de m3por dia). Os campos operados pela Petrobrás foram responsáveis por 93,7% do petróleo e do gás natural produzidos no Brasil. Porém, os campos com participação exclusiva da Petrobrás produziram 38,3% do total.
Isso mostra que a direção da Petrobrás aplica a máxima do “lucro acima de vidas e da pandemia”.
Terceirizados são invisibilizados
Neste contexto de contaminação, a invisibilidade é um fator que afeta os trabalhadores terceirizados, lado a lado dos próprios, estando ambos a uma conversa para a transmissão do vírus. Cabe dizer que a relação entre próprios e terceirizados é da ordem de 1 para 3 ou até 4. Portanto, o número de trabalhadores mortos na Petrobrás é muito maior do que 20, como informam os dados oficiais, haja vista que só no GASLUB, antigo COMPERJ, os trabalhadores fizeram um relatório com o registro de oito mortos, de abril/2020 até a presente data. Só em maio último, quando ocorreu um surto na unidade, morreram quatro terceirizados.
Em maio de 2020, o Sindipetro-RJ entrou com uma Ação Civil Pública nº. 010040458.2020.5.01.0017, para obter informações sobre dados da pandemia na Petrobrás e também requerendo a emissão de CAT para os casos confirmados. Mas mesmo assim, apesar da liminar favorável obtida, a Petrobrás não apresenta informações consistentes no seu informe, não inclui os terceirizados e não apresenta informações relativas a sequelas quanto aos recuperados.
Boletim de Monitoramento do governo mostra possíveis subnotificações
Esse acesso só ocorre , atualmente , a partir de um Boletim de Monitoramento da COVID-19, emitido semanalmente pelo Ministério de Minas e Energia (MME), que apresenta números fora da realidade , por exemplo, a partir de um universo de 46.416 empregados próprios, quando sabemos que a empresa neste período de pandemia já efetivou mais de 2 mil desligamentos por conta de adesões ao PDV.
Outro fato a ser apontado no levantamento do MME sobre a Petrobrás é que o número de suspeitos com COVID-19 só aparecem nas estatísticas oficiais da empresa entre os dias 20/04/2020 e 11/05/2020. Nesta última data os terceirizados se tornam invisíveis na divulgação dos dados, sendo a partir deste momento lançados números somente referentes aos trabalhadores próprios da empresa, como apontou um levantamento da Fiocruz.
Outro exemplo é o informe de 47 internações fornecido no Boletim de nº 51, de segunda-feira (05/04), quando em uma reunião com a FNP realizada no dia seguinte, (06/04), foi divulgado de que haviam 76 trabalhadores em situação de hospitalização. Essa defasagem de 29 internados, obviamente que gera uma situação de subnotificação. As reuniões com a EOR foram retomadas agora, depois de um período que ficaram suspensas.
Ainda, na mesma reunião, foi cobrada a divulgação dos nomes dos 20 trabalhadores que foram a óbito por COVID-19, conforme consta no boletim do MME citado nesta reportagem, tendo a representação da empresa se negado a fazer isso sob a desculpa de sigilo médico. A FNP e seus sindicatos pedem além da divulgação dos nomes, lotação e atividade destes empregados mortos. O pedido se justifica pela necessidade de se compreender se esses óbitos tiveram alguma relação com os surtos ocorridos em plataformas, refinarias, entre outras áreas, pois é preciso entender de que forma ocorreram essas contaminações, se em área de trabalho ou não, para que a partir desses dados corretos se possa avaliar e planejar formas de aplicar medidas mais protetivas aos trabalhadores em seus respectivos ambientes de trabalho.
Outro fato é que causa estranheza no informe 51º do MME é o dado de que os óbitos ocorrem em sua maioria com trabalhadores em situação de teletrabalho (15), contra quatro presenciais, e um em situação de férias.
Petrobrás enrola
Desde o início da pandemia da COVID-19, em março de 2020, a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) e os seus sindicatos filiados, entre eles o Sindipetro-RJ, buscam obter dados da direção da Petrobrás e definir formas de prevenção de um modo conjunto com a empresa, mesmo com a criação do grupo Estrutura Organizacional de Resposta (EOR), mas até hoje não ocorreu nenhum avanço na transparência na divulgação de dados e na negociação de medidas preventivas.
“Logo no começo da pandemia a Petrobrás criou um grupo chamado de EOR que tinha como , entre outras atribuições, promover medidas de segurança e prevenção ao novo Coronavírus. Em tese, este grupo deveria compor com os representantes dos trabalhadores (sindicatos) um processo de negociação para elaborar medidas, mas isso não aconteceu. O fato é que desde as primeiras reuniões a EOR informava aos sindicatos das ações planejadas por eles (empresa) e que iriam aplicar de forma unilateral sem nos ouvir em nada” – explica Marcelo Juvenal Vasco, diretor da secretaria de Saúde e Segurança da FNP e também dirigente do Sindipetro-LP.
Outro exemplo de que este boletim oficial do governo federal não é nada confiável, assim como os informes da direção da Petrobrás em reuniões, é o caso que envolve a morte do petroleiro Antonio Carcavalli, técnico de operação da RPBC (Cubatão/SP) , vitimado pela COVID-19 no final de maio de 2020. Em um encontro com o EOR em junho do ano passado, dias depois da morte de Carcavalli, os representantes da empresa não citaram o óbito do operador na reunião, não constando nos boletins do MME emitidos no mesmo mês. Sendo esse mais um indicio e subnotificação de óbito.
Ênfase para recuperados
O Ministério de Minas e Energia repete o método adotado pelo Ministério da Saúde que para os dados oficiais da COVID-19 no Brasil prefere dar mais ênfase ao número de recuperados do que propriamente ao número de contaminados e mortes, tirando o peso da gravidade da pandemia.
O gráfico abaixo publicado no Boletim de Monitoramento 51 do MME mostra o somatório de casos que envolvem servidores próprios em estatais e autarquias subordinadas ao ministério que englobam além da Petrobrás, Eletrobrás, Nuclep, CPRM, ONS,Pré-Sal Petróleo, INB,EPE; e agências reguladoras como ANP, ANM,ANEEL; a Camara de Comercialização de Energia Elétrica e o Ministério de Minas e Energia.
Porém ambos não relevam que esses recuperados apresentam vários graus de sequelas, que em determinados casos podem ser tornar crônicas como pontuam diversos estudos médicos publicados em revistas cientificas. Só no Brasil esse número chega a 11,9 milhões, segundo o governo federal.
Nexo Causal
Na Petrobrás, conforme um levantamento da Fiocruz, executado pela ‘Rede de Informações sobre a Exposição ao Sars-Cov-2 em Trabalhadores no Brasil’, que usa como base de dados os boletins de monitoramento do MME publicados até 29/03/2021, já são 5.895 casos, o equivalente a 12,7% do empregados efetivos da empresa, dentro do universo de 46.416, que não releva o Plano de Desligamento Voluntario (PDV-2019) e o Plano de Aposentadoria Incentivada (PAI), aprimorados e relançados durante a pandemia. Ainda, segundo o levantamento da Fiocruz, a incidência de casos de COVID-19 na Petrobras é 12.700,4 casos/100 mil, enquanto a proporção de casos no Brasil é de 5.983,3 casos/100 mil).
“Embora a doença acometa a população em geral, a COVID-19 aparece com maior frequência entre os trabalhadores da Petrobrás, maior empresa do setor de petróleo e gás no país, quando comparada a frequência na população em geral. Essa maior frequência, expressa na incidência/100 mil, sugere correlação entre a COVID-19 e a atividade econômica do setor de petróleo e gás, ou seja, presumida a ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre a atividade econômica do trabalhador da Petrobrás e a COVID-19, enfermidade que requer afastamento do trabalho e, portanto, gera incapacidade que deve ser caracterizada como acidente de trabalho” – enfatiza trecho do relatório produzido para o Ministério Público do Trabalho (MPT) pela Fiocruz em outubro de 2020: ‘Parecer sobre contaminações por COVID-19 a bordo de plataformas e contribuições para investigação da caracterização do nexo causal entre a doença e o trabalho no setor de petróleo e gás’.
A coordenadora da pesquisa, Liliane Teixeira questiona a metodologia aplicada pela Petrobrás que questiona o enquadramento dos óbitos de trabalhadores em três situações: presencial, remoto e férias.
“Isso de alguma uma forma é uma tentativa de descaraterizar o Nexo Causal, pois se a pessoa está trabalhando não tem porque dizer que está de férias ou no trabalho remoto. Ele é um trabalhador da Petrobrás” – enfatiza.
Procurada por esta reportagem para explicar os critérios de composição dos números, a assessoria de comunicação do MME respondeu da seguinte forma: “A fonte é a ANP. Sugerimos procurar a Petrobrás diretamente para detalhamentos” – disse a resposta.
Quando a AMS/Petrobrás Saúde vai abrir a “caixa preta” da COVID-19?
Segundo os dados da Cassi, operadora de saúde do BB, já são mais de 100 funcionários do Banco do Brasil mortos por COVID-19, só no Rio de Janeiro, sendo quase 700 entre ativos, aposentados e dependentes falecidos no país.
As empresas públicas vão sendo sucateadas, o trabalhador adoecendo e a população sem atendimento e sem renda.O Sindipetro-RJ cobra da AMS / Petrobrás Saúde, dados equivalentes sobre o sistema Petrobrás que englobem ativos, aposentados, pensionistas e seus dependentes e, que incluam , também, os terceirizados.
Surtos nas plataformas
Já em 2021, o Sindipetro-RJ escreveu cinco ofícios (29,30,31,32 e 38) à hierarquia da Petrobrás exigindo diversas medidas. Entre elas a redução ao mínimo do POB ( People on Board ) com a parada de produção. O Sindicato alertou também sobre a necessidade de medidas de proteção com as denúncias de surtos na P-74 e P-75, e o equívoco que era o acoplamento da UMS Maracanã e o ingresso de mais de 200 trabalhadores para circular na P-74, que poderia se transformar em um desastre sanitário. Infelizmente, a pior hipótese se confirmou, com o falecimento de uma trabalhadora terceirizada, que apresentou sintomas após o desembarque da P-75, foi internada, intubada e depois não resistiu à doença.
Exemplificamos mais um atraso na divulgação de dados, o Painel Dinâmico em unidades de Extração e Produção (E&P) da ANP mostra que os número estão atualizados somente até o mês março último.
Mais uma plataforma da Petrobrás registrou surto de COVID-19. Até o dia 16 de março, a P-38 havia registrado cinco casos positivos em desembarcados. Uma equipe médica esteve a bordo para fazer testes em todos os trabalhadores e foi chamada com urgência uma equipe para desinfecção dos ambientes.
A P-38 é o segundo maior FSO (Floating, Storage and Offloading) do Brasil e serve para o armazenamento da produção de três grandes plataformas – P-40, P-51 e P-55. Ela recebe o petróleo destas plataformas, estoca e repassa para outros navios em alto mar, que levam o petróleo para a costa para o refino.
Os sindicatos da FNP exigem da Petrobrás que seja garantida uma testagem geral a bordo, com a desinfecção total das plataformas. Outro ponto importante é a redução do POB para também garantir a habitabilidade e a segurança do trabalho a bordo para evitar o ambiente de contágio da COVID-19, isso pode significar até uma parada de produção para garantir a segurança dos trabalhadores, pois vidas importam.
A orientação aos trabalhadores é que procurem seus diretores de base e liberados para efetivar denúncias.