O “Vale Tudo” de Temer para entregar a Petrobrás

Para continuar o desmonte da Petrobrás e de outras estatais,  o governo Temer quer botar uma camisa de força no Judiciário. 

O Sindipetro-RJ conversou com a advogada, Raquel Sousa, que representa a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), contra as vendas de ativos da Petrobrás em seu processo de “desinvestimentos” aplicado desde os tempos de Aldemir Bendine em 2015. Raquel Sousa é autora de 90% das ações contra o desmonte da Petrobrás e conseguiu impedir várias tentativas da privatização pretendida pelos vendilhões do governo Temer. Ela esmiuçou literalmente essas verdadeiras “chicanas” jurídicas e legislativas que têm por objetivo entregar o patrimônio do Brasil.

Com objetivo de  impor o projeto de privatização dos ativos da Petrobrás, o governo Temer usou e usa de subterfúgios jurídicos e legislativos para limitar a atuação do Poder Judiciário em possíveis ações de suspensão das negociatas que pulverizam a preço de banana o patrimônio da maior empresa do Brasil.

Para termos uma ideia de como isso está sendo feito, relembremos que em uma sequencia de três dias, o governo Temer, no último mês de abril , tomou três medidas que visavam acelerar o processo de desmonte da Petrobrás e tentar colocar literalmente uma “camisa de força” no Judiciário.

Na sequência do mês de abril foram tomadas as seguintes medidas: no dia 25 foi promulgada a LINDB – Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, uma lei que tira do Judiciário o poder de decidir contra o governo. Em 26 de abril entra em vigor o Decreto 9.355/18, que regulamenta o processo de desinvestimentos da Petrobrás; e por fim, no dia 27, Michel Temer e o então presidente da Petrobrás, Pedro Parente, anunciaram a venda de refinarias da Petrobrás. Além disso, atualmente, tramita na CCJ da Câmara dos Deputados ,o  PL 7.104/17 que também protege o governo de medidas judiciais que vão de encontro aos seus interesses.

Sindipetro-RJ – Como você avalia a aprovação de um projeto na CCJ da Câmara dos Deputados no último dia 5 de julho que impede ministro do STF de suspender lei por decisão individual, e como isso pode atrapalhar a luta para suspender a venda dos ativos da Petrobrás?

RS – Esse projeto aprovado na CCJ é manifestamente inconstitucional. Porque a Constituição no seu Art. 5º, § XXXV, diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito. Ora, se eu tenho uma lei que é manifestamente inconstitucional, e, que, portanto, presumisse que ela causa lesão ou ameaça a direito, como um ministro do STF pode se furtar ao seu dever constitucional de analisar essa lei, e inclusive, impedir que ela tenha seus efeitos práticos na realidade? Então, ao meu entendimento, o que esse projeto aprovado na CCJ faz é tentar impedir que os ministros do Supremo Tribunal Federal façam aquilo que a própria Constituição determina. Ou seja, apreciem qualquer lesão ou ameaça a direito. Por isso, acredito que esse projeto seja inconstitucional. Inclusive concordo com o ministro Luiz Fux quando ele fala que a intenção dessa iniciativa é de engessar o Judiciário, o que é muito ruim. Ele disse ainda que isso pode caracterizar o abuso do direito de legislar.

Isso de alguma forma pode prejudicar nossas ações como a Ação de Direta de Inconstitucionalidade, a ADI 5.942, que se volta contra o Decreto 9.355/18, assinado pelo Temer, para “legalizar” a sistemática de desinvestimentos da Petrobrás. Recentemente, no caso desta ADI, entramos com um pedido de Tutela de Urgência para que sejam suspensos os efeitos deste decreto do Temer, que já está em pleno andamento. No caso da Petrobrás com a alteração de regulamento de licitações e contratos que a empresa adaptou, com base no decreto, os consórcios em que a companhia seja operadora poderão realizar compras sem licitação. Daí se um projeto como esse for aprovado, ele de fato tem por objetivo impedir o Judiciário de suspender essas vendas de ativos.

Sindipetro-RJVocê acredita que esse projeto decorre das recentes vitórias que você obteve na Justiça e a recente decisão do ministro Lewandovisk que determinou a suspensão de venda de estatais sem aval do congresso?

RS – Não posso afirmar se esse PL. 7.104/17, que tramita na CCJ, tenha sido motivado pela nossa atuação, e consequentes vitórias judiciais, ou mesmo pela decisão do ministro Lewandovisk. Acredito que esse projeto faça parte de um pacote de medidas tomadas no âmbito do legislativo, para tentar impedir que os juízes brasileiros decidam contra o governo de plantão. Antes deste projeto houve aprovação da LINDB – Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, que também tem um objetivo muito semelhante. Essa discussão da LINDB começa em 2015, e veio a ser aprovado agora em 2018.

O que chega a ser engraçado é que temos na Presidência da República, reconhecidamente,  um dos maiores constitucionalistas do Brasil. O Michel Temer foi um dos idealizadores da Constituição Federal de 1988 e conhece a nossa Magna Carta como a palma da mão. E com todo esse conhecimento ele tem a jogado no lixo, manobrando para impedir a sua própria vigência. Diante disso, ele legisla por meio de decretos, medidas provisórias ou propondo alterações legislativas para retirar do Poder Judiciário, a prerrogativa de decidir contra o governo. E por que isso? Bom, o governo Temer veio desde o início com a intenção de fazer um grande ataque aos direitos da classe trabalhadora, e bem como fazer uma entrega total e irrestrita do patrimônio público, em especial da Petrobrás para as grandes petroleiras estrangeiras. É lógico que ele previa que haveria uma resistência por parte da categoria petroleira e do povo brasileiro. E prevendo essa resistência, Temer previu também medidas que pudessem barrar as iniciativas jurídicas como as nossas da FNP.

Sindipetro-RJA sua tese é que essas vendas contrariam a Constituição, explique a forma como isso acontece?

RS – Porque elas são feitas sem licitação, pois não têm amparo em nenhuma lei. A Constituição diz que a Petrobrás é obrigada a fazer licitação na forma da lei, não na forma da sistemática de desinvestimento que não é baseada em nenhuma lei. Ela é um “armengue”, uma improvisação, do Decreto 2.745/98, que regulamentava o processo de licitação na Petrobrás e que não está sendo mais utilizado por ter sido substituído pela Lei 13.303/16. A Constituição exige que seja feita licitação para garantir a moralidade administrativa, que significa que o gestor não pode dispor do patrimônio do povo brasileiro da forma como bem entender. Se o gestor quiser se dispor deste patrimônio terá que fazer isso de forma justificada por um preço justo, sem privilegiar um particular em detrimento do outro. É o que também exige o “princípio da eficiência”, se for vender que venda bem. A licitação tem por objetivo garantir o melhor preço em uma possível venda, bem como em uma compra. O melhor preço para o Estado, União e para a sociedade de economia mista.

Ainda existe o “princípio da impessoalidade”, pelo qual todos possam concorrer em situação de igualdade. E se a Constituição exige que seja feita licitação para vender ativos, por que a Petrobrás não se submete a Constituição? Simplesmente, a Petrobrás faz um procedimento de venda de ativos que não é baseado em lei nenhuma, aonde ela envia convites para quem ela quiser, ou seja, ela escolhe quem pode “comer o bolo”, o que viola o princípio da impessoalidade. As regras e a avaliação dos bens não são públicas, o que contraria o “princípio da publicidade”.

Então todo esse processo de desinvestimento dos ativos tem se mostrado lesivo, quando comparado ao processo de venda, por exemplo, nos leilões da ANP. Basta comparar o caso da venda do Campo de Carcará, em que a Equinor (ex-Statoil), petroleira norueguesa, pagou US$ 2,5 bi ; desse valor só a metade foi à vista, US$ 1,25 bi, e vai ficar com todo o petróleo produzido em Carcará. Já no leilão da ANP, a mesma Equinor pagou um bônus fixo de R$ 3 bi, pelo Campo Norte de Carcará, e ofereceu quase 70% do lucro excedente para a União. Se você compara essas duas vendas percebe que a processo de desinvestimento não é eficiente no sentido de que vendeu um patrimônio bilionário por um valor irrisório. O que fica claro na comparação desses procedimentos, que os leilões foram bem mais vantajosos para a União, pois ela vai ficar com grande parte do lucro excedente. Enquanto que na venda direta feita pelo Sr. Pedro Parente, aplicando essa política de desinvestimento, ganhou apenas US$ 1,25 bi, sem ficar com uma gota excedente de petróleo.

Sindipetro-RJ  Raquel você citou a alteração da LINDB, quais são de fato os impactos na prática desta mudança, e como ela afeta a luta contra a espoliação do patrimônio brasileiro?

RS –  Essa alteração na LINDB é uma “camisa de força” para impedir que os juízes deem liminares como aconteceu em nossas ações para impedir a dilapidação do patrimônio a preço de banana. Porque essa alteração diz que o juiz deve considerar os efeitos práticos da decisão. No caso das nossas ações tivemos várias decisões suspensas pelo fundamento de que a “Petrobrás precisa de dinheiro por estar quebrada, então deixa vender tudo, rasga a Constituição porque a Petrobrás está quebrada”. A LINDB acaba por legalizar essa situação, pois considera que se deve impedir um  juiz de tomar decisão que possa trazer alguma consequência indesejada ao poder público, mas não se deve impedir decisões lesivas ao interesse público. Apesar da LINDB dizer que está voltada para o interesse público, na realidade ela está voltada a preservar a autoridade dos governos de plantão. Daí essa alteração é um sério entrave ao Poder Judiciário e ao poder de decisão dos juízes.

Inclusive tem um parecer de todos os subprocuradores das câmaras de revisão do MPF – Ministério Público Federal, assinada pela Procuradora-geral, Raquel Dodge, pedindo que a ministra Carmem Lúcia, em exercício na Presidência da República por uma viagem do Temer, vetasse esse projeto da alteração da LINDB por considerá-la inconstitucional. Resumindo, com a LINDB o governo Temer quer amordaçar o Judiciário.

Em tempo, o Sindipetro-RJ esclarece que a advogada Raquel não defende ou sequer defendeu a realização dos leilões de campos de óleo e gás por parte da ANP. Ela apenas pontuou que os “desinvestimentos” da Petrobrás conseguem ser ainda mais lesivos à Petrobrás ao país que estes leilões.

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