Manifesto à  Nação Brasileira das Vítimas da Ditadura Empresarial Militar

Após a Audiência Pública realizada no último dia 3 de abril, promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, foi divulgado um manifesto de vítimas da ditadura, e de entidades, entre as quais o Sindipetro-RJ, contra a atitude do presidente Jair Bolsonaro em promover uma agenda em favor do golpe civil militar de 1964.

Manifesto à nação.

A transição democrática está em risco no Brasil: um alerta das vítimas da ditadura militar.

A decisão de celebrar e homenagear o golpe de Estado de 1964 por meio da conta oficial de Whatzapp do Palácio do Planalto é o ponto político mais alto de uma agenda de desmonte da memória da ditadura militar empreendida pelo governo Bolsonaro.

Ninguém pode dizer-se surpreso sobre a posição favorável do atual presidente da República em relação à ditadura militar, ao uso da tortura e à prática de assassinatos pelo regime. Antes, durante e depois da campanha eleitoral se denunciou e se comprovou mediante gravações e discursos públicos o seu pouco apreço aos valores democráticos. De tão abominável, muitos diziam que se trataria de retórica política e que, sendo eleito, ele assumiria uma postura constitucional. Os fatos e as medidas concretas do atual governo revelam que o absurdo se tornou realidade e ela é mais séria que os mais otimistas poderiam imaginar.

Em apenas 3 meses o governo Bolsonaro já implementou as seguintes ações concretas:

  1. Paralisou os orçamentos das duas Comissões de Reparação às vítimas da ditadura: a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão de Anistia.
  2. Depois de 18 anos de existência, transferiu a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça para que ficasse sob a tutela ideológica do novo Ministério dos “Direitos Humanos e da Família” que orbita sob a influência política da família Bolsonaro.
  3. Reduziu a atuação institucional da Comissão de Anistia exclusivamente à reparação econômica, retrocedendo no princípio da reparação integral que inclui também a reparação simbólica, moral e psicológica como eixos integrantes do dever do Estado em proteger o direito de todas as vítimas. Além disso, anunciou que adotará a prática de novas interpretações restritivas à lei, agravando a segurança jurídica, o que acarretará crescente judicialização do assunto e uma intencional lentidão processual para o exercício dos direitos de pessoas que hoje tem idade avançada.

 

  1. Empreenderam-se deliberadamente pronunciamentos difamatórios ao importante trabalho dos projetos de memória e reparação realizados pela Comissão de Anistia, tentando escandalizar a produção das inúmeras publicações que fizeram parte dos programas dos governos anteriores e que davam cumprimento à missão do Estado em informar sobre as violações e a história do passado como fortalecimento das garantias para a sua não repetição. O dever do governo é o de difundir os livros de memória, cujas (re)impressões ficaram prontas na véspera da saída do governo Dilma e que tiveram a sua distribuição interrompida pelo governo anterior.
  2. As páginas públicas na internet com os dados de transparência e dos Arquivos da Comissão de Anistia foram subitamente retiradas do ar, colocando em risco a preservação do seu histórico, cujos processos de reparação são declarados patrimônio da Unesco.
  3. O governo requentou os problemas da construção do Memorial da Anistia, o primeiro e único museu federal dedicado à memória da ditadura e de homenagem às vítimas. Interrompeu o andamento da construção alegando situações, conhecidas e existentes há mais 3 anos, devido a problemas administrativos vividos pela UFMG em sua execução.  Segue ainda sob o risco de uma tentativa de criminalização, desde quando se disparou uma operação policial que, arbitrariamente, conduziu coercitivamente a toda administração superior da Universidade de diferentes distintas gestões engajadas em sua implementação. Independentemente da existência de irregularidades administrativas sanáveis, é obrigação do Estado a finalização da obra, exigida por sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sendo que existe parecer do Ministério Público Federal recomendando a sua finalização.
  4. O governo nomeou como novo presidente da Comissão de Anistia um notório adversário da agenda da reparação e da memória, um ex-advogado do gabinete parlamentar do filho do presidente da República, que atuava junto aos tribunais para anular o direito à reparação das vítimas da ditadura, especialmente aos camponeses do Araguaia. Um outro novo componente nomeado para o órgão de reparação é um general da reserva defensor de Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI e apontado como um dos principais torturadores da ditadura militar. Este recém nomeado foi o autor do prefacio do livro de Ustra, que nega e justifica as graves violações aos direitos humanos. Estas nomeações são um escárnio que subverte as finalidades institucionais do órgão legal de reparações, criado ainda no governo do presidente Fernando Henrique, e que possui quase 10.000 requerimentos de reparação pendentes de avaliação. É dever das atuais autoridades cumprir a lei e dotar a Comissão de Anistia e sobre Mortos e Desaparecidos Políticos de recursos e estrutura suficiente para funcionar adequadamente.

 

  1. Incluiu na reforma da previdência um dispositivo que rompe o principal elemento do modelo da transição democrática. Como se sabe, o Brasil é um dos poucos países da região que não puniram os seus torturadores e militares repressores da ditadura. Mas a lei de anistia estabelecida em 1979, reiterada e ampliada no artigo 8 da Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, estabelece o direito à indenização para todas as vítimas. Passados 40 anos da lei de anistia, o governo Bolsonaro agora quer equiparar o regime indenizatório, advindo dos danos materiais sofridos pelas pessoas atingidas pelos atos de perseguição política, com o regime previdenciário das suas aposentadorias ordinárias. Tenta assim, de forma retroativa, obrigar às vítimas da ditadura anistiadas políticas a decidirem entre o direito de receber a indenização pelo prejuízo em seus projetos de vida pessoais ou o direito às suas aposentadorias acumuladas, pelo regime contributivo ao longo de suas vidas profissionais. Ou seja, na prática, estão sorrateiramente extinguindo as indenizações para as vítimas da ditadura. Esta grave e inconstitucional proposta da reforma da previdência revela toda a desonra do governo Bolsonaro com os compromissos assumidos na transição democrática inacabada.

Além da indignidade de haver celebrado oficialmente um atentado à democracia, o governo Bolsonaro claramente trabalha com uma agenda coordenada e dirigida para romper com o dever de reparação às vítimas, criminalizar os atos de memória, rever outros compromissos internacionais assumidos pelo país e tentar estigmatizar o processo de reparação histórica. Estamos convictos de que estas são medidas de radicalização do governo que atingem o conteúdo essencial dos elementos constitucionais que permitiram ao Brasil redemocratizar-se.

Essa situação deve ser alertada interna e internacionalmente. Será necessária a mobilização ampla de todos os setores democráticos para impedir tal retrocesso ao legado de toda uma geração anterior do campo democrático.

As novas gerações precisam assumir a responsabilidade de se levar adiante estas conquistas. Será um teste para a nossa jovem democracia acompanhar e saber se as demais instituições brasileiras atuarão de maneira independente e irão servir como contrapeso a esse novo tipo de autoritarismo.

 

Anistiados e anistiandos:

    1. Aderson Bussinger Carvalho
    2. Affonso Henriques Guimarães Correa
    3. Aluizio Ferreira Palmar
    4. Álvaro Caldas
    5. Ana Miranda
    6. Ângela Maria Silva Arruda
    7. Anita Slade
    8. Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC-A.
    9. Sindipetro-RJ
    10. Carlos Alberto Dias Duarte – Betinho Duarte
    11. Carlos Fayal
    12. Claudio Antônio Ribeiro
    13. Colombo Vieira de Souza
    14. Dulce Pandolfi
    15. Eduardo Ulup
    16. Eliete Ferrer
    17. Elisa Diniz Reis Vieira
    18. Fabiola Monica da Câmara Diniz Gonçalves
    19. Flavio Salles
    20. Francisco Celso Calmon
    21. Gilney Viana
    22. Guiomar Silva Lopes
    23. Iara Xavier
    24. Inah Meirelles de Souza
    25. Ivan Seixas
    26. Jane de Alencar
    27. Janete Capiberibe
    28. Jessie Jane Vieira de Souza
    29. João Capiberibe
    30. Jorge Mattoso
    31. Jorge Pimenta
    32. José Alves Neto
    33. José de Souza Leal
    34. Lenine Bueno Monteiro
    35. Leôncio Queiroz Maya
    36. Lizst Vieira
    37. Luiz Carlos Martins de Souza – Petroleiro Astape
    38. Magda Maria Romano de Campos Pinto
    39. Marcos Arruda
    40. Maria America Diniz Reis
    41. Maria Christina Rodrigues
    42. Maria da Conceição dos Santos
    43. Maria Luiza Garcia Rosa
    44. Maristela Scofield Silva Pimenta
    45. Marta Mota Lima
    46. Maurice Politi
    47. Norma Sá Pereira
    48. Paulo Cesar Azevedo Ribeiro
    49. Paulo de Tarso Carneiro
    50. Reinaldo Guarany Simões
    51. René de Carvalho
    52. Robson Ferreira
    53. Rosane Resnik
    54. Sandra Maria Alves

     

    1. Sergio Henrique Mendes Alvarez
    2. Suely Muniz
    3. Tania Marins
    4. Togo Meirelles Netto
    5. Umberto Trigueiro
    6. Vera Joana Bornstein
    7. Vera Vani Alves de Pinho
    8. Vera Vital Brasil
    9. Zenaide Machado

Destaques