Mau funcionamento da Cedae visa justificar a privatização

Atualizado em 29 de janeiro de 2020

É sempre assim. Quando um governo quer entregar uma estatal para empresas nacionais ou estrangeiras, antes começa a demitir, a terceirizar e a sucatear a manutenção dos equipamentos. Assim, com a queda na qualidade do serviço busca justificar a privatização, que é um crime contra a população. É o que vem acontecendo com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae).

Segundo o último “Atlas de Abastecimento Urbano de Água” elaborado em 2015 pela Agência Nacional de Águas (ANA), somente 13% da população urbana do estado acessa a abastecimento satisfatório. Isso, logicamente, permanece atual devido à falta de investimentos em melhorias do sistema nos últimos anos.

A atual crise revelou a péssima qualidade da água tratada fornecida à população e a Cedae já identificou um culpado : a geosmina, um composto orgânico que surge na proliferação de algas em rios a partir da bactéria Streptomyces Coelicolor.

Em entrevista ao O Globo, Renato Falcão Dantas, diretor da Faculdade de Tecnologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e líder de um grupo que faz pesquisas na área de meio ambiente e tratamento , fez um alerta. Ele diz que, num sistema onde há, por exemplo, intermitência na distribuição, a pressão nas tubulações sofre variações. Isso compromete a limpidez da água que chega às torneiras, pois arrasta sedimentos acumulados na tubulação, causando turbidez e outras alterações.

“O que aconteceu no Rio foi o colapso do sistema de tratamento, devido às más condições da água coletada na Bacia do Guandu. A geosmina é um indicador de péssima qualidade. Usar carvão ativado, medida adotada pela Cedae é o beabá do tratamento, chega com décadas de atraso. Vai resolver o cheiro, mas não muda a situação do sistema” – afirma Dantas.

Ainda de acordo com o informativo, que ouviu cientistas internacionais ligados à Universidade de Lund na Suécia, a substância, tratada como inofensiva pela Companhia Cedae, além de alterar características da água, também atrai o vetor responsável pela transmissão de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela.

Segundo a reportagem, os pesquisadores descobriram que a geosmina atrai mais especificamente a fêmea do mosquito, estimulando-a a colocar seus ovos na água, uma vez que, onde há a substância, há também micro-organismos dos quais as larvas do Aedes podem se alimentar.

Dispensa de técnicos e desmonte

O fato é que a Cedae vem passando por um profundo processo de sucateamento que culminou com a impossibilidade de a Estação do Guandu continuar a tratar, como deveria, a água do rio Guandu e de outros afluentes próximos. Este processo de desmonte intensificou-se em março do ano passado, quando o presidente da estatal, Hélio Cabral, a mando do governador Wilson Witzel, demitiu, sumaria e ilegalmente, 54 técnicos, todos com papel importante no funcionamento da empresa.

Ou seja, decisões estratégicas para o funcionamento da Cedae estão comprometidas porque técnicos altamente capacitados para tomar medidas rápidas a fim de sanar e até mesmo evitar problemas foram demitidos sem qualquer explicação. A crise hídrica que afeta toda a população fluminense poderia ter sido evitada se o corpo técnico estivesse operando plenamente.

Segundo o engenheiro e presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), Clovis Nascimento, são engenheiros de carreira. “Essas dispensas quebram a espinha dorsal da Cedae, pois atingem os pilares estruturais da estatal e, certamente, há uma motivação de dar celeridade à privatização”, alerta Clovis, que também é vice-presidente do Senge-RJ e funcionário de carreira da Cedae.

Um presidente com a tatuagem da tragédia de Mariana

Em entrevista à Rádio Petroleira do Sindipetro-RJ, o representante do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Produção de Água e Esgoto de Niterói, Ary Girota, também denunciou o desmonte da Cedae e a tentativa de privatização. “Desde a gestão Marcello Alencar (PSDB) que os capitalistas e governos vêm fazendo um trabalho silencioso no sentido de enfraquecer e provocar desinvestimento, até criar uma situação insustentável, na qual a população passe a exigir água, não importa de onde venha se de empresa pública ou privada. Para piorar, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 3261/2019, que estabelece o novo marco legal do saneamento e abre caminho à privatização. É a transformação da água em mercadoria”, disse.

Importante lembrar que o atual presidente da Cedae, Hélio Cabral, era conselheiro de administração da Samarco quando houve o rompimento da barragem em Mariana, Minas Gerais, em 2015. Segundo o Ministério Público Federal, ele sabia dos riscos de vazamento de rejeitos de mineração. Hélio e 22 pessoas foram denunciados em 2016.

Também vale ressaltar que o processo de privatização de serviços de fornecimento de água foi revertido em inúmeras cidades e estados pelo mundo, inclusive em Nova York; note-se a contradição.

Problemas com o carvão ativado
Um vídeo gravado na sexta-feira (24) apresenta um trabalhador da Cedae desmaiado enquanto trabalhava para purificar a água na Estação de Tratamento do Guandu. Segundo os outros trabalhadores que gravaram o vídeo, o homem teria desmaiado após inalar o pó de carvão que está sendo utilizado pela empresa.

A autenticidade do vídeo foi confirmada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento e Meio Ambiente do Rio (Sintsama/RJ). O registro mostra detentos do sistema penitenciário do Rio de Janeiro que estão cumprindo o regime semiaberto e trabalhando na Cedae durante o dia. A Fundação Santa Cabrini, que gerencia o trabalho dentro do sistema prisional, alega que o fornecimento de equipamentos de proteção e segurança é de obrigação da Cedae.

Em suma: quanto mais se aprofunda o desmonte do país e o sucateamento das empresas estratégicas, a população perde ainda mais do pouco que usufrui.

Petrobrás é afetada pela crise da gestão da Cedae

Para enfrentar o problema, a Petrobrás ofereceu água mineral aos seus trabalhadores em edifícios em que se constatou alteração na potabilidade da água. No entanto, talvez devido à alta demanda por água mineral na cidade do Rio de Janeiro e entorno, houve atraso na entrega e muitos trabalhadores ficaram sem o devido abastecimento como foi o caso no EDISEN e EDIHB na última terça-feira (28).

 

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