Sobre greve, “marajás”, apoio da sociedade e outras inquietações da categoria petroleira

As coisas estão acontecendo e de forma muito acelerada. Daqui a um ano, qual será o tamanho da Petrobrás? Quantos seremos? Qual será o impacto de uma greve petroleira em seu sentido prático e objetivo?

O administrativo faz diferença em uma greve

Reforçamos que sim. Seja em peso político, já que os prédios administrativos, especialmente aqueles do Centro do Rio, têm grande visibilidade junto à mídia e à sociedade em geral e seja diretamente sobre a produção. Temos um edifício inteiro de onde partem todas as ordens, normas e orientações para toda a empresa. É nele também onde está sendo arquitetado todo o plano de privatização e, se parado, atrapalha parte desses planos. Os prédios também contam com gerências com conexão direta com a área operacional e com a produção, impactando-a diretamente; há ainda outras gerências que, se paradas, inviabilizam a prestação de serviços de terceiros, de empregados próprios e assim por diante. Ou seja, os trabalhadores e trabalhadoras dos prédios administrativos são parte dessa história e corresponsáveis pela greve e pelos rumos da nossa empresa!

 Será mesmo que a população apoia a privatização da Petrobrás?

O resultado da última pesquisa Datafolha demonstra que cerca de 70% da população é contra a privatização de empresas, em especial a Petrobrás. Temas como o encarecimento do combustível e dos preços dos derivados de petróleo, e com isso o inflacionamento da economia, as preocupações ambientais e o abandono de regiões inteiras ainda colocam a maior parte da população do nosso lado. A movimentação do poder público no Nordeste também auxilia no entendimento de que não se trata dos interesses só da nossa categoria.

Mas ainda assim a população está ferrada, desempregada e emprobrecida. Consideram-nos marajás!

A Petrobrás lucra bilhões por ano, acumula uma reserva de caixa também da ordem de bilhões… de dólares. E quem produz 100% desse lucro? Nós, os trabalhadores. E sabe quanto a Petrobrás retorna para nós? Menos de 10%. Nossos benefícios e salários refletem de forma rebaixada o caráter dessa empresa, seu lucro, a produtividade e a luta dos seus trabalhadores. Segundo o DIEESE, a Petrobrás é hoje a empresa do ramo de setor de óleo e gás que tem a menor remuneração por empregado comparado a outras empresas do setor, ficando atrás da BP, Equinor, Shell e Total. O empobrecimento da categoria petroleira, como o de qualquer categoria, tende a piorar a situação do país.

Somos cerca de 61 mil trabalhadores por todo o país e nossos salários são revertidos para as economias locais. Consumimos produtos, usamos restaurantes, pagamos escolas, etc. Isso movimenta a economia brasileira. A redução proposta em nossos salários é para favorecer a quem nada produz, como os grandes especuladores do mercado de ações ou os executivos de aluguel a peso de ouro, que pousam temporariamente na empresa e sugam mais do que doam. Também é para subornar licitamente os gerentes da Petrobrás, através de bônus (renda variável-PRVE). E mais, qual o compromisso dos grandes acionistas em reverterem dinheiro em investimento produtivo, se a lógica do capital especulativo é justamente ganhar dinheiro sem nada gerar? Ainda que alguns poucos invistam parte em algo produtivo, quem disse que isso seria no Brasil, se muitos são estrangeiros?

Qual a melhor pauta para a greve? O ideal não seria fazer da greve, uma luta mais enfática desvinculada do ACT? Teremos apoio popular?

A pauta do ACT unifica a categoria e já está em sua cultura-tradição ser este um marco para luta; a nossa luta é por um ACT melhor, mas também pela manutenção de empregos e contra a privatização e seus impactos para a população. Por conciliar essas pautas nos marcos jurídicos já consolidados, a greve associada à luta pelo ACT fortalece a defesa do movimento e dos direitos dos trabalhadores.

Enquanto for possível conciliar as pautas do ACT, a pauta geral da categoria e a luta contra a privatização, isso favorece a nossa luta. Ironicamente, é no momento da greve que os pleitos dos trabalhadores são mais ouvidos. É o momento que conseguimos algum espaço para falar sobre o assunto e fazer as nossas defesas.

E temos o desafio de dialogar com a sociedade sobre as nossas pautas como um todo e não apenas sobre o ACT. De toda forma, lembramos que pouquíssimas greves têm o apoio popular, apesar de terem havido algumas no último período. Os meios de comunicação e o governo “cairão de pau” no nosso movimento. Mas a greve tem um efeito prático e objetivo e não apenas simbólico de apoio popular. Conciliar os dois seria o ideal, mas essa não pode ser a nossa condição para lutar.

O principal objetivo de uma greve é bem prático: impactar a produção no país, reduzir lucro de acionista, impactar a circulação de pessoas e mercadorias. Criar instabilidades que deixem inseguros os possíveis investidores. Isso tudo faz com que a sociedade como um todo pressione para que a situação se resolva. Grupos poderosos nos pressionarão através da mídia e de outras formas, porém pressionarão especialmente os governantes e gestores da empresa para resolver a situação.

Uma greve nos tira do patamar de pedintes para o patamar de quem também tem força! Faz a “casa grande” lembrar às custas de quem ela enriquece e o quanto precisa do nosso trabalho para isso. E daí precisam nos ouvir de outra forma, e “negociar” em outro patamar. Isso vale para o ACT e para a nossa pauta em geral.

A greve ajuda a combater a privatização? Não é melhor recuarmos agora e lutarmos ano que vem?

A privatização está em curso e de forma acelerada. O desemprego também já começou. Na desmobilização do EDISP e agora do edifício Torre Pituba, os contratados foram os primeiros a perder seus empregos. No RH, de um contrato nacional de 180 profissionais, houve redução para 40 concentrados no Rio. Na saúde, redução de cerca de 50% dos contratados. O presidente Castello Branco diz que sonha em ver a Petrobrás privatizada.

Salim Mattar, secretário de privatização do governo federal e dono da Localiza, diz que está se divertindo com esse trabalho de privatização. E diz mais em entrevista ao “Roda Viva”: que pretende vender 90 estatais até o final do mandato (média de 30/ano). E, ao ser perguntado se o governo teria participação, como ainda tem na BR, categoricamente responde que não. Que essas são atividades de mercado e que não quer participação nas empresas vendidas. Ou seja, pretende-se vender tudo.

Mas vamos lá! Vamos ouvir também a “melhor” das hipóteses apresentadas sobre a Petrobrás para esse governo: manter apenas o E&P. Hoje o E&P conta com 15 mil trabalhadores (as) o que representa 33% do total de trabalhadores próprios da holding (45 mil) e o proporcional de contratados. Ou seja, mesmo com bom desempenho e simpatia do chefe, a empresa à princípio não quer cerca de 70% de nós.

Mas, mesmo no E&P: dia 06/11 está agendado o mega leilão do excedente da Cessão Onerosa, incluindo a abertura de informações sigilosas pela Petrobrás aos inscritos na rodada, conforme noticiado pela mídia. Diversas plataformas estão hibernando, e para hibernar, na Bacia de Campos. São várias as iniciativas para reduzir também o E&P. Assim, desses 33% sobrarão ainda menos. Além disso, com a lei da terceirização e sob a lógica desse governo teremos trabalhadores desempregados prontos para aceitar menores salários e benefícios para garantir sua sobrevivência.

Os editais com o passo a passo e os cronogramas da privatização de 8 refinarias estão publicados; a BR já foi privatizada e a Transpetro está passando pelo mesmo processo de pré-privatização que os funcionários da BR vivenciaram. Aqui cabe destacar que o sindicato dos trabalhadores da BR não é o Sindipetro-RJ, apesar de termos tentado algumas ações em defesa da Distribuidora.

Quanto às desmobilizações de vários prédios, especialmente no Nordeste e o plano de centralização da empresa no Rio, São Paulo e Espírito Santo, ressalta-se que o administrativo será brutalmente reduzido e não “apagará a luz” depois que o operacional for dispensado. Ao contrário, é preciso garantir a continuidade operacional e a passagem de serviço nas áreas leva muito mais tempo que no administrativo. E os gerentes, supervisores, coordenadores e consultores dos prédios ou ativos desmobilizados ou vendidos, ou seja, os mais altos salários, muito provavelmente serão os primeiros a serem demitidos.

Temos ainda as políticas de RH que representam um cardápio de formas de demissão: PDV para aposentados, regado a muito assédio, retirada de trabalho, etc.; PDV corporativo, mesmo se tratando de administrativo na região Sudeste; Programa de Demissão “Acordada”; PLAFORT – Planejamento da Força de Trabalho – estudo feito em toda a Petrobrás, encomendado sob a diretriz de redução de pessoal e tendo voltado duas vezes da Diretoria de Assuntos Corporativos para reduzir ainda mais. Hoje, em função desse suposto estudo, a imensa maioria das gerências está sendo consideradas no seu limite ou inchadas e as pessoas não conseguem se realocar; Programa de baixo desempenho, que ironicamente começa pelo SBS e que no prazo de um ano, se não houver melhoria de desempenho, será justificativa para demissão. O gerente de centro de serviços de RH, Mansur, informou em uma das reuniões de acordo coletivo que a intenção era aumentar a linha de corte para GD abaixo de 80%. Quantos sobreviverão a tudo isso?

Mas e a força da greve ante a todos esses ataques?

Vamos nos deter às afirmações dos gestores do país e da Petrobrás:

  • Salim Mattar, em entrevista ao Estadão, ao ser perguntado se a Petrobrás está na lista de privatização respondeu: “Uma coisa que eu reparei é que à medida que nós vendemos essas seis empresas não teve greve, não teve burburinho. A sociedade está mais preparada”.
  • Salim Mattar, no Roda Viva, também disse que investidor quer retorno financeiro e estabilidade jurídica e usa como exemplo o fato de que só tivemos uma invasão de terras no país esse ano, o que seria prova de estabilidade jurídica. Ou seja, “estabilidade jurídica” seria o quanto o governo consegue manter a “ordem” no país e uma greve, portanto, ajuda a criar instabilidade jurídica para os investidores;
  • A Petrobrás procurou a mediação do TST depois que as federações petroleiras começaram a aprovar greve nas assembleias e marcaram seminário unificado de greve. Tanto é que a primeira reivindicação da Petrobrás junto ao TST foi a suspensão do seminário de greve e a não realização da mesma.
  • O General Heleno, que está à frente do Gabinete de Segurança Institucional do governo, está acompanhando de perto as mediações de acordo coletivo junto ao TST com receio de uma greve petroleira e um movimento em cadeia no país.

 

Às vezes os trabalhadores têm dúvidas sobre sua força. E não precisam acreditar só no sindicato para saber o seu tamanho. Estão aí as provas disso! Outra prova foi a recente greve de caminhoneiros que teve até apoio popular e impediu a entrega das refinarias no governo Temer. E não dá para deixar de citar a greve de 1995. Muitos já devem ter ouvido falar no processo que a Petrobrás viveu sob gestão de FHC para ser vendida.

Sem concursos públicos, divisão em UOs, etc. E o que vocês acham que barrou isso? Até mesmo para que consigamos resistir, ganhar fôlego por mais um ano e esclarecer a população e desgastar o governo até lá, é preciso demonstrar nossa força agora, enquanto somos grandes e fortes. Se não o fizermos agora, um mês que seja pode ser tempo demais.

 

Versão do impresso Boletim CLII

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