Ameaça de privatização da Transpetro causa ou agrava doenças em trabalhadores

Por Rosa Maria Corrêa

Os fatos noticiados ou as ações das gerências setoriais delineiam um quadro cada vez mais hostil que causa apreensões entre os petroleiros e tem causado doenças, atingindo ainda quem já possui diagnóstico de doenças mentais

Diante da queda de qualidade no ambiente de trabalho na Petrobrás, o Sindipetro-RJ está mantendo pesquisa sobre os desinvestimentos e a falta de respeito com os empregados que têm adoecido ou apresentado piora em sintomas de doenças mentais pré-existentes.

Conheça as matérias anteriores:

Setembro Amarelo é mutirão em defesa da vida – https://sindipetro.org.br/setembro-amarelo-mutirao-em-defesa-da-vida/

Sem saber o que vai acontecer, trabalhadores da Petrobras Biocombustível estão adoecendo – https://sindipetro.org.br/setembro-amarelo-trabalhadores-adoecendo/

Confirmando o resultado da pesquisa que fizemos com trabalhadores da Petrobrás Biocombustíveis, o “sim” também predominou , nas unidades da Transpetro, nas respostas para “você sente sintomas de depressão no trabalho?”.

Para analisar as respostas dos participantes, convidamos novamente a doutora Luciana Gomes, pesquisadora no Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, da ENSP-FIOCRUZ.

Luciana, desta vez, a maioria respondeu que sofre de depressão. Como o trabalhador pode identificar os sintomas de depressão?

Luciana Gomes: Primeiramente, vale lembrar que a depressão é um transtorno mental e está entre as principais causas de afastamento do trabalho em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). É muito importante que a pessoa que apresenta sintomas procure um médico para que seja feito diagnóstico e encaminhamento para tratamento. A depressão tem cura, mas precisa ser tratada adequadamente para que o sofrimento não se agrave e leve à piora dos sintomas.
Os tipos de sintomas e a intensidade podem variar. Contudo, comumente caracterizam-se por mudanças no humor e no comportamento. É a tristeza ou sensação de vazio que não passam, perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas, desmotivação, desânimo, alteração no apetite, irritabilidade, cansaço constante, alterações no sono (excesso ou insônia), falta de concentração, pensamentos negativos e dores no corpo.
Para o campo da Saúde do Trabalhador um dado como esse – em que boa parte dos trabalhadores na pesquisa de opinião que vocês aplicaram referem sofrer de depressão, representa um sinal de alerta que a relação entre a saúde e o trabalho não está nada bem, precisa ser investigada e melhor compreendida. Tanto no sentido de conhecer o real estado de saúde desses trabalhadores e trabalhadoras, como para a partir daí buscar propor políticas e ações que visem transformar positivamente as situações de trabalho e fortaleçam a luta pela saúde.

Como o trabalhador que percebe um colega com estes sintomas pode ajudar?

Luciana Gomes: Se um trabalhador ou trabalhadora identifica que um colega está em situação de sofrimento, apresenta mudanças no comportamento ou de humor, o que pode fazer é buscar acolher, oferecer escuta, demonstrar empatia e orientar que busque atendimento profissional nos serviços de saúde.

Privatização significa mudança drástica

Quando perguntados sobre o grau de influência trazido ao quadro de adoecimento pela possível privatização da Transpetro, considerando 0= não colabora em nada e 10= colabora totalmente, todos escolheram notas altas iguais ou superiores a 8.

E, no caso da Transpetro, é fato que a hierarquia na Petrobrás tem adotado há anos os caminhos para a privatização.

Risco de vida

Um dos problemas mais graves que tem sido permanentemente denunciado pelos trabalhadores da Transpetro ao Sindicato é a redução de efetivo – o que traz aos trabalhadores inúmeras preocupações, incluindo por exemplo, o próprio risco de vida.

Doutora, o aumento da responsabilidade em trabalho considerado de alta periculosidade, sem ter um colega para dividir as tensões que podem surgir no turno, pode realmente causar ou agravar as doenças mentais?

Luciana Gomes: A pesquisadora Leda Leal Ferreira realizou estudos em que analisa o quanto esse tipo de política de redução de efetivos na indústria de petróleo e gás tem como único propósito reduzir custos em detrimento de qualquer outra consideração. Condições que não representam lucro imediato, como manutenção e segurança, acabam por ser desprezadas, o que contribui para aumentar os riscos de acidente.
Olhar para uma questão complexa como essa pensando somente em números deixa de fora a complexidade de vários aspectos do trabalho que precisam ser considerados. Os trabalhadores têm domínio sobre a sua atividade e sabem na prática o quanto os riscos são potencializados quando há redução de efetivos. Com a sobrecarga de trabalho, de responsabilidade e de tensão, a comunicação e as trocas entre os colegas podem ser prejudicadas. Pode levar a situações em que os trabalhadores precisem fazer horas extras, o que gera um cansaço maior e redução das funções cognitivas de atenção e concentração, entre outros aspectos. Um cenário de precarização do trabalho como esse faz com que a luta diária pela saúde se dê em desvantagem para os trabalhadores, que precisam fazer um uso exacerbado de si, tanto física, como mentalmente. Uma situação assim representa riscos para a saúde como um todo.

Há quem esteja doente há pelo menos cinco anos. Um dos trabalhadores contou que “por volta de 2016, talvez um pouco antes, houve uma mudança importante nos rumos da empresa e os rumores de privatização, sob o eufemismo de desinvestimento, me fizeram questionar qual era o real sentido do meu trabalho. Se antes eu enxergava que contribuía de alguma forma para a sociedade, passei a me enxergar apenas como alguém que gera lucros para agentes privados, o que para mim nunca fez sentido. A desvalorização do trabalhador nesse período, com a retirada gradual de direitos e uma certa resignação da categoria também me entristeceram e me fizeram questionar o sentido de tudo que eu fazia em relação ao trabalho. Mas o auge da depressão ligada ao trabalho veio durante a pandemia de COVID-19, quando, apesar de ter comorbidades já acompanhadas há anos pelo setor de Saúde Ocupacional da companhia, sofri assédio moral do meu gestor imediato para que fosse trabalhar presencialmente. Infelizmente, os rumos que a empresa vem tomando contribuem negativamente para a saúde mental dos empregados. Enquanto a política da empresa não mudar, as campanhas sobre saúde mental promovidas por ela não passam de discurso vazio e atrapalham em vez de ajudar”.

Males causados por chefias imediatas

” E, depois da última ‘reunião’ , a coisa ficou pior. No meio da apresentação ainda colocam as possíveis punições, sendo uma delas a demissão. Que ameaça! Isso acaba com a cabeça do peão!”

Luciana, podemos, portanto, afirmar que as doenças afloram ou pioram na convivência diária no trabalho com uma prática totalmente diferente do discurso, chegando inclusive a situações de extrema revolta dos trabalhadores como, por exemplo, a demissão de colegas apenas como punição, sem justa motivação?

Luciana Gomes: Nesse relato que você apresenta tem vários aspectos que indicam como o trabalhador está consciente de que as transformações que vem ocorrendo na empresa apresentam repercussões no trabalho, na forma como os trabalhadores passam a ser desvalorizados, assim como o significado que ele passa a atribuir ao mesmo. Irei me ater à questão do sentido do trabalho, pois é essencial para a produção da saúde e, em especial, da saúde mental.
Se os valores pessoais estão em desacordo com os valores colocados no trabalho, se não sente valorizado e respeitado, se a organização do trabalho caracteriza-se por práticas de hostilidade e intimidação, se não se consegue vislumbrar um aspecto positivo no que produz, tem-se um cenário propício para que a relação com o trabalho assuma um rumo patológico, gerando sofrimento e adoecimento. Por outro lado, quando o indivíduo sente que a atividade que desempenha tem uma utilidade, uma finalidade de contribuir para o viver em sociedade, para o bem comum, isso fortalece a saúde mental e a mobilização subjetiva, porque produz reconhecimento e satisfação. Consequentemente também reforça o papel da identidade, da sensação de pertencimento a uma determinada categoria e a dimensão coletiva no trabalho.

Chefias e avaliações que fazem mal à saúde

Para quem pensa que os tempos mudaram e a competitividade nas empresas valoriza talentos, o fato é que muitos ainda têm chefes que em maioria acham que os funcionários servem apenas para operar, produzir muito e não precisam pensar. “Temos percebido que a cobrança por informações tem sido muito imediatista, o que faz parecer que estamos sempre sendo monitorados. Isso em conjunto com a falta de clareza no tratamento de eventos não usuais que acontecem durante o desempenho de nossa atividade (ficando sem saber como, nem para o quê é usada a informação ) e traz como consequência a sensação de estarmos errados, ou esquecendo de alguma coisa, um ‘medo’ constante que contribui muito para o sentimento de ansiedade durante as horas trabalhadas. Outro ponto que gera certa apreensão é um PDS (Prêmio por Desempenho Superior) questionável, com casos notórios de avaliações abaixo da média sem uma justificativa clara”, comentou um dos petroleiros na pesquisa.

1. Ferreira, Leda Leal. Falta de efetivos e insegurança em refinarias de petróleo. Rev Bras Saude Ocup 2020;45:e35. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbso/a/xx9tKZs84WH76Nwymztcnwh/?lang=pt&format=html>

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